Plataformas de apostas on-line, que atraem milhões de brasileiros todos os meses, já afetam o ambiente de trabalho. Autoridades em saúde mental destacam que a dependência dessas atividades e de jogos de azar informais, como o "jogo do tigrinho", prejudica a produtividade, provoca ausências frequentes e compromete relações interpessoais - um problema que exige atenção urgente das empresas.
Regulamentadas no Brasil em 2018, durante o governo Temer, as apostas pela internet têm atraído um público crescente e gerado novas demandas sociais. Dados do DataSenado indicam que pelo menos 22 milhões de brasileiros apostam em plataformas digitais, enquanto levantamento do Instituto Locomotiva mostra que 52 milhões já se arriscaram em "bets" no país ao menos uma vez.
Apostas digitais e um mercado em expansão
Daniel Hosken, neurocientista, explica que "esses jogos são projetados para prender nossa atenção, usando o funcionamento do cérebro contra nós mesmos". O impacto dessa prática, porém, vai além do financeiro. A mesma pesquisa do Locomotiva aponta que 86% dos apostadores brasileiros estão endividados, o que pode comprometer diferentes áreas da vida. "Isso nos mostra que o problema é maior do que uma simples perda financeira", alerta a psicóloga Licia Assbu. "A compulsão pelos jogos cria um ciclo perigoso, no qual o jogador se isola, torna-se mais irritadiço e compromete suas relações com colegas de trabalho e familiares.
Esses fatores amplificam o impacto negativo na saúde mental e na vida profissional", completa.Além disso, especialistas afirmam que a estrutura das casas de apostas digitais agrava o problema. "Os mecanismos dessas plataformas são projetados para criar uma experiência envolvente e viciante, recompensando o jogador de forma intermitente", diz Daniel Hosken. Para ele, essa dinâmica reforça um comportamento compulsivo que, quando não tratado, pode resultar em danos cada vez mais graves na vida pessoal e profissional.
Produtividade comprometida: reflexos no trabalho
No ambiente corporativo, os efeitos do vício em apostas on-line podem se manifestar de maneira clara, tanto no desempenho quanto na dinâmica entre colaboradores. Segundo Rafael Nunes, psicólogo e mestre em neurociências, as consequências são visíveis no comportamento e nos resultados. "A privação de sono, causada pelo excesso de tempo dedicado aos jogos on-line, gera cansaço e fadiga cognitiva, reduzindo a capacidade de foco e a tomada de decisões durante o expediente", exemplifica.
Nunes destaca que o problema vai além da produtividade individual. "É comum observar colaboradores mais irritados, desmotivados e com dificuldade para se engajar em atividades que exigem colaboração ou troca de ideias", acrescenta. Esses efeitos também impactam as relações entre colegas no trabalho. Jairo Bouer, médico psiquiatra e especialista em saúde mental, alerta que os comportamentos compulsivos criam barreiras na convivência. "Mudanças de humor, como irritação e ansiedade, e até atrasos frequentes podem dificultar o relacionamento com colegas e gestores, prejudicando não só o colaborador, mas também o desempenho da equipe", afirma. As empresas, por sua vez, enfrentam desafios crescentes para lidar com esses casos. "A maior parte das organizações ainda não está preparada para tratar questões relacionadas à saúde mental, muito menos à compulsão por jogos on-line", ressalta Nunes. Apesar disso, ele acredita que reconhecer os sinais e adotar medidas preventivas podem minimizar os danos, tanto para os colaboradores quanto para o ambiente de trabalho.
Empresas precisam agir: estratégias para lidar com o problema
Diante do impacto crescente do vício em jogos on-line, as empresas enfrentam o desafio de proteger o bem-estar dos colaboradores sem comprometer o desempenho organizacional. Para Jairo Bouer, um dos primeiros passos é reconhecer a compulsão como uma questão de saúde mental, e não como uma falha de caráter. "A dependência está ligada à liberação de dopamina, um hormônio que reforça comportamentos de recompensa. Isso precisa ser tratado como uma condição legítima, com apoio terapêutico, e não com punições ou estigmas", defende.Rafael Nunes destaca que a capacitação de gestores é essencial para criar um ambiente de suporte. "Os líderes precisam ser treinados para identificar sinais de dependência e oferecer apoio de forma ética e discreta, sem expor o colaborador", sugere. Ele também aponta que práticas como meditação guiada e atenção plena podem ajudar os colaboradores a regular impulsos e melhorar o autocuidado.
Daniel Hosken, por sua vez, enfatiza a importância de promover um ambiente de segurança psicológica, onde os funcionários se sintam confortáveis para buscar ajuda. "As empresas devem criar programas de conscientização sobre o impacto do vício em jogos e facilitar o acesso a suporte terapêutico. Não se trata apenas de produtividade, mas de cuidar da saúde do indivíduo como um todo", afirma.Ainda com poucos exemplos práticos no Brasil, especialistas concordam que a ação conjunta entre liderança e equipes de RH é fundamental para reduzir os impactos da compulsão no trabalho. Investir em palestras, treinamentos e iniciativas de qualidade de vida pode ser um caminho eficaz para equilibrar os desafios corporativos e a saúde mental dos colaboradores.
Vício subestimado: o impacto no ambiente corporativo
Embora a dependência de apostas e jogos de azar on-line seja atualmente subestimada no ambiente corporativo, os números mostram a gravidade do problema. Segundo levantamento do Departamento de Psiquiatria da USP, cerca de 1% da população brasileira, ou aproximadamente 2 milhões de pessoas, é viciada em jogos. Para estudiosos do assunto, essa é apenas a ponta do iceberg, em um cenário no qual as empresas precisam agir com urgência.Jairo Bouer destaca que o enfrentamento dessa questão exige uma mudança radical de perspectiva no ambiente de trabalho. "Reconhecer esse comportamento como uma questão de saúde mental é o primeiro passo para mudar esse cenário", afirma. "Sem apoio terapêutico e conscientização, o impacto será cada vez maior, comprometendo não só a saúde dos colaboradores, mas também a dinâmica organizacional", conclui o profissional.
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