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Foto do escritorIvana Veraldo

Viviane Mosé e a receita para lavar palavra suja

Gosto muito de um vídeo no qual a filósofa, psicanalista e poetisa, Viviane Mosé, apresenta a sua receita de “como lavar palavra suja”.

 

Num tom muito provocativo, ela diz: “descobri que a palavra não sabe o que diz. A palavra, por ela mesma, não diz nada.” Quem diz, esclarece, é o acordo estabelecido entre quem fala e quem ouve. “Se existe acordo, existe comunicação. Quando esse acordo se quebra, ninguém diz mais nada, ainda que use as mesmas palavras”.

 

A filósofa compara a palavra às roupas que as pessoas  vestem. Algumas vezes essas roupas podem ser curtas. Outras, podem ser usadas em excesso. Alguns jogam palavras fora, outros usam palavras caras ou raras. Tem gente que se repete muito nas palavras e há os que usam as dos outros. Muitos não sabem nada sobre as palavras que vestem ou, se sabem, fingem que não sabem. Há também quem não  sabe usar a roupa certa para a ocasião. Uns se ajeitam bem com poucas peças, outros se enrolam no vocabulário de muitas. E, ainda tem gente que estraga as palavras que usa.

 

Mosé diz que quando as palavras são atravessadas por uma ou várias dessas condições elas se tornam palavras sujas. Vez ou outra, até engorduradas. Percebendo isso, resolveu elaborar uma receita para lavá-las.

 

A filósofa recomenda mergulhar as palavras sujas em água sanitária e, depois de dois dias de molho, levá-las para quarar ao sol do meio dia. “Alvejadas ao sol podem adquirir consistência de certeza, como a palavra ‘vida’.” Há palavras que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, como a palavra “amor”. “Nesse caso, deve-se bater insistentemente a roupa/palavra na pedra e, depois, enxaguá-la em água corrente”. 



Mosé diz: as palavras “perda” e “morte” são muito sujas. “Na medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo — que atende pelo nome de amargura — capaz de esvaziar o vigor da língua. Nesse caso, aconselha  mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade”.

 

Quando alguém quer apenas aliviar as palavras do uso diário, diz ela, pode-se simplesmente “usar sabão em pó e máquina de lavar”. Mas, nesse processo, algumas palavras podem ficar manchadas por entrarem em contato com outras. “A palavra ‘culpa’, por exemplo, mancha tudo que encontra e deve ser sempre clareada sozinha”.

 

Outro cuidado importante, alerta, é não lavar demais as palavras, pois há o risco de perderem o sentido. “A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva produz uma oleosidade que conserva a cor e a intensidade dos sons.”

 

Quando as palavras  são  submetidas a todos esses cuidados, assevera, dificilmente permanecem sujas. A filósofa diz, ainda, que nessa arte de lavar palavras é preciso saber reconhecer uma palavra limpa. Para isso, recomenda: “conviva com a palavra durante alguns dias; deixe que se misture em seus gestos e que passeie pelas expressões dos seus sentidos. À noite, permita que essa palavra se deite sobre seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne

prolifera em toda sua possibilidade.” Diz a poeta, se puder suportar a convivência até não mais perceber a presença dela, então a pessoa tem uma palavra limpa.

 

Enfim, amei essa comparação das palavras com roupas que as pessoas vestem. Roupas que podem estar ou serem sujas. Gostei, mais ainda, da receita que Mosé apresenta de como lavar palavras sujas. Quem dera todos compartilhassem com Mosé essa forma de compreender a palavra e seus usos.

 

Veja o vídeo aqui:

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