Por: Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Numa dessas dimensões paralelas à nossa, cuja existência recentemente nossos cientistas descobriram e divulgaram, as pessoas não fazem uso e nem conhecem algo que nos é muito comum: o espelho. Como já sabemos, toda realidade paralela é como se fosse a nossa mesma realidade, somente com algumas pequenas mudanças. Um viajante, ainda experimental, descobriu, em uma dessas dimensões, esta sociedade que não usa espelhos. Acompanhemos o seu relato feito para um grupo restrito de cientistas e políticos de importância mundial.
- Quando cheguei a outra dimensão no início não notei diferenças, achei mesmo que a passagem pelo portal não tinha dado certo. Me integrei na sociedade, em uma cidade média. Passeei bastante, entrei nos lugares, conversei com pessoas, comi em lanchonetes e restaurantes e até fiz amizades.
- Você não ficou com medo de passar mal com a comida?
- No começo sim Coronel K. Mas, depois resolvi arriscar, pois a comida é muito parecida com a nossa.
- E fazer amizades, você acha que foi boa ideia? Poderiam te perguntar de onde você era e coisas assim?
- Achei por bem arriscar senhora Presidente G. Eu falei que era de uma cidadezinha pequena e longe de onde eu estava e que estava lá procurando emprego. Aliás, consegui até trabalho também.
- Quanto tempo você ficou lá mesmo?
- Fiquei quase 6 meses senhor Senador J. Como as coisas estavam tranquilas resolvi ficar o máximo de tempo possível para entender bem a vida naquela dimensão.
- E o que mais te chamou a atenção por lá?
- A falta de espelhos senhor Presidente T. Isto mesmo o que os senhores ouviram, eles não têm espelhos, de nenhum tipo, nem em casa, nem em lojas, nem nos carros, em nada. E é muito interessante relatar este aspecto, pois acho que é algo que pode fazer a gente pensar sobre nós mesmos. Sem espelhos as pessoas são bem menos vaidosas e não existem tantos produtos de maquiagem como aqui.
- Mas, eles não têm a tecnologia para fazer espelhos ou foi opção mesmo?
- Então, senhora R., eu perguntei e ouvi as duas versões. O fato é que eles conseguiram se organizar sem a necessidade de espelhos. E, para mim, que tenho este cabelo desgrenhado, foi difícil me adaptar. Nos primeiros dias tinha até vergonha de encontrar pessoas, pois eu não sabia como estava meu cabelo, mas, depois, percebi que as pessoas não ficavam reparando nisso, e mais, tinha várias pessoas que saiam despenteadas também... aliás, eu fiquei pensando que, para eles, o natural do cabelo, seja liso, crespo, desgrenhado, é o natural para eles... Há mais liberdade para se usar roupas também, pois, sem espelhos, não há porque ficar experimentando muitas roupas para sair de casa... As pessoas também não ligam muito para a estética das pessoas, não há, até onde vi, um culto ao corpo perfeito. As academias de fitness existem também, mas, como não há espelhos, os praticantes parecem se preocupar mais com sua condição física mesmo e não em malhar apenas para exibir seus músculos e corpos definidos.
- Eu fico pensando aqui nos carros. Como eles fazem para dirigir sem espelhos? Há muitos acidentes?
- Parece irreal para nós Doutora A., mas quase não vi acidentes. Andei de carro para fazer a experiência e, confesso, nas primeiras vezes fiquei muito apreensivo. Depois, eu até dirigi um carro. Os motoristas prestam muito mais atenção no trânsito e respeitam muito as setas dos outros carros. Se um carro liga a seta os outros imediatamente dão passagem, sem haver, como isso, xingamentos, palavrões etc.
- E a falta de espelhos acarreta outras diferenças com a nossa sociedade?
- Na minha opinião, Doutor X., acarreta sim várias diferenças. A sociedade daquela dimensão parece não ser tão consumista como a nossa; as pessoas se respeitam mais; as diferenças, de cor, sexo, gênero, são tidas como naturais. Eu acho que o fato de não existir espelhos faz com que as pessoas se vejam mais e se ajudem, pois, a única maneira de melhorar um pouco a imagem é pedindo ajuda para outra pessoa.
- Mas, do jeito que você fala, esta dimensão não tem problemas?
- Tem muitos problemas sim, Senadora H., problemas, aliás, parecidos com os nossos. Mas, no geral, eu percebi que alguns dos nossos problemas, ou melhor, as bases de alguns dos nossos problemas eles realmente não os têm. Insisto, me desculpem, na ausência dos espelhos. De certa forma, as pessoas parecem que são mais livres, ou menos presas a aparências e modelos de beleza. Acho que, neste aspecto pelo menos, aquela sociedade é mais livre do que a nossa. Mas, é claro, para ter certeza dessas coisas eu precisaria voltar para lá e ficar mais um tempo.
O nosso viajante de dimensões não voltou para aquela dimensão, pois foi destacado para conhecer outra dimensão diferente. Por enquanto, ainda não temos mais notícias daquela sociedade que, por incrível que pareça, conseguia viver sem espelhos!!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.
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