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Foto do escritorIvana Veraldo

Tô igual os três macacos

Vocês  já devem ter visto a imagem da escultura dos três macacos, um que tapa os olhos, outro a boca e outro os ouvidos.


 

Elas representam um provérbio japonês “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal”, cujo ensinamento consiste justamente em “não ouvir o que o leve a fazer maldades”, “não ver as más ações como algo natural” e ” não falar mal sem fundamento”. No Japão,  os três  macacos são símbolo da sabedoria.

 

Estou com 61 anos, escuto cada vez menos (perda auditiva e zumbido no ouvido) e enxergo mal (astigmatismo, hipermetropia e início de catarata). O envelhecimento me aproximou de dois macacos. Porém, ainda estou distante do macaquinho com a mão na boca. E lhes digo, o fato de enxergar menos, ouvir menos e tentar falar menos não me fez mais sábia.

 

Sempre respeitei as pessoas idosas, não porque são idosas, mas porque são humanas, independentemente de sua idade. Respeito suas limitações e incapacidades. Mas não transformo pessoas idosas em pessoas automaticamente sábias e boas. O caráter não melhora simplesmente porque alguém envelheceu. O sábio Rui Barbosa escreveu “não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem.”

 

O avanço da idade pode contribuir para que a pessoa amadureça, já que, afinal de contas, quem viveu mais teve mais experiências, mas é preciso considerar que nem todos os idosos tiveram a oportunidade de transformar o que aprenderam em sabedoria.

 

É preciso desconstruir o estereótipo do velho sábio!

 

Tenho uma parenta que na juventude participou da luta pela democracia, pela defesa dos direitos das mulheres e se comportava de modo progressista. Tornou-se professora e ensinava uma das ciências da natureza e acreditava que o conhecimento libertava. Na terceira idade, tornou-se racista, homofóbica, xenofóbica e a favor da submissão das mulheres. Duvidou da covid e questionou a vacina.

 

O que assusta é que essa parenta não é um caso isolado. Muitas pessoas quando envelhecem iniciam uma cruzada contra tudo aquilo que os possibilitou chegar à terceira idade. Lutam contra o estado moderno, suas instituições democráticas, o processo eleitoral e contra a ciência. A parenta que bebeu na ciência, ensinou ciência, hoje bebe apenas nas redes sociais.

 

Cito-a como representante de um grupo que é cada vez mais numeroso no Brasil e no mundo, os idosos. 

 

Muitos se sentem inseguros, tornam-se nostálgicos, percebem uma espécie de ameaça aos valores tradicionais. E ainda se tornam muito suscetíveis à desinformação.

 

Mirian Goldenberg afirma que "existe maior vulnerabilidade dos mais velhos ao discurso que provoca medo e ameaça destruir o mundo que eles conhecem e onde se sentem seguros e protegidos".

 

Com certeza o caminho para a sabedoria é complexo e não está linearmente relacionado com a idade; a sabedoria envolve mais do que apenas vivenciar a vida, requer uma reflexão mais profunda sobre essas experiências. Senso comum não leva à sabedoria.

 

No conjunto das políticas públicas dirigidas aos idosos, seria interessante a criação  de mecanismos e espaços para que eles se mantivessem conectados com o que está acontecendo no mundo; que fossem estimulados a fazer reflexões mais profundas sobre a realidade e a ter empatia pelos diferentes.

 

Algumas Universidades oferecem cursos e atividades dirigidas às pessoas com mais de 60 anos, independentemente  do grau de escolaridade que possuem. Esse é um caminho  muito interessante pois aproxima o idoso do conhecimento científico, dá suporte, por exemplo, para evitar que caiam nas malhas das fake news e os ajuda a fincar os pés na realidade.

 

Sugiro que apesar das limitações  físicas, o idoso escute mais, enxergue mais e fale mais.

 

Hoje mesmo vou quebrar a minha escultura dos três macacos!

 

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