As 143 escolas estaduais que o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) escolheu para terem a manutenção privatizada estão localizadas em regiões de baixa vulnerabilidade social e menor proporção de população preta. Elas também já apresentam melhor infraestrutura e resultados educacionais em relação às demais.
Os dados são de um estudo feito pela Repu (Rede Escola Pública e Universidade), entidade que reúne pesquisadores de educação, e foram obtidos com exclusividade pela Folha de S.Paulo. Para os autores, o perfil das escolas selecionadas para o projeto de privatização tende a reforçar desigualdades educacionais na rede estadual paulista.
A reportagem questionou a Secretaria de Educação sobre as unidades terem condições mais favoráveis, mas a pasta não respondeu sobre esse ponto. Segundo a pasta, foram escolhidas as escolas com maior tempo de construção e maior necessidade de intervenções estruturais.
Essa é a segunda PPP (parceria público-privada) que o governo Tarcísio quer implementar na educação paulista. Nesse novo projeto, o governo vai passar para o setor privado a gestão dos serviços de manutenção, reforma e serviços não pedagógicos de 143 escolas estaduais da capital paulista.
A empresa vencedora ficará responsável por esses serviços por 20 anos e a estimativa do governo é de que ela deverá investir R$ 1,7 bilhão nas unidades. O leilão para essa PPP deve acontecer no segundo trimestre do ano que vem.
No início deste mês, o governo fez dois leilões para a construção e manutenção de 33 novas escolas em cidades do interior do estado. Na ocasião, o governador defendeu a parceria com o setor privado e negou que o processo se trate de "privatizar" escolas, sob o argumento de que o projeto só envolve unidades que serão construídas.
Com a nova PPP, a gestão Tarcísio avança para escolas que já existem e que juntas atendem mais de 85 mil alunos. As comunidades dessas unidades não foram previamente consultadas ou se voluntariaram para aderir ao projeto.
O estudo da Repu identificou que todas as 143 escolas estão concentradas nas áreas com a menor vulnerabilidade social da cidade de São Paulo, segundo o IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social), calculado pela Fundação Seade.
As unidades também estão distantes de áreas de moradia da população mais pobre da cidade, concentrando-se nos locais em que predominam pessoas com renda per capita superior a três salários mínimos. Elas também estão distantes das áreas com maior concentração de população preta.
O mapeamento identificou ainda que foram selecionadas escolas com um contexto educacional mais favorável. Elas possuem, por exemplo, menos matrículas e turmas que as demais unidades da rede estadual na capital.
Na média, as escolas escolhidas para a PPP têm 622,6 alunos matriculados e 19,8 turmas. Já o restante das unidades da rede tem 871,8 alunos e 28,2 turmas.
As 143 escolas também já têm infraestrutura mais completa que as demais: em 94% delas há salas de leitura, 88% têm quadra coberta e 95% possui laboratório de informática. Nas demais unidades, esses percentuais são menores: 80%, 73% e 83%, respectivamente.
Por fim, o estudo encontrou ainda que essas 143 unidades apresentam melhor desempenho no Idesp (índice educacional paulista) em todas as etapas de ensino.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, 37,5% delas atingiram ou ultrapassaram a meta em 2022, enquanto apenas 14% das demais escolas a alcançaram. Nos anos finais, 22,5% delas alcançaram (contra 17% das demais). E no ensino médio, são 14% (contra 12,5% das demais).
"O governo escolheu dar para o setor privado as escolas com um contexto muito mais favorável. Ou seja, há uma tentativa de controlar previamente os resultados da política de privatização, dando condições mais favoráveis para garantir a eficácia do modelo", diz João Victor Oliveira, um dos responsáveis pelo estudo.
Para os pesquisadores, os dados indicam ainda que a política fere o princípio da isonomia ao direito à educação por alocar recursos públicos na direção contrária à criação de condições de igualdade para o ensino.
"Ao mesmo tempo em que a Secretaria de Educação fabrica o sucesso da política selecionando escolas de bairros mais ricos para o projeto de 'retrofit' escolar, ela delineia qual seria o perfil do 'fracasso': as escolas estaduais sob a gestão pública, em regiões de maior vulnerabilidade social e frequentadas por estudantes negros/as", conclui o estudo.
A reportagem questionou a Secretaria de Educação sobre as unidades escolhidas terem condições mais favoráveis, mas a pasta não respondeu.
A secretaria informou apenas que foram selecionadas unidades com maior necessidade de intervenção e com mais tempo de construção -segundo a nota, em média, os prédios escolhidos têm 59 anos de existência.
"Inovadora, a medida busca modernizar a forma de contratação da infraestrutura educacional, uma vez que a prestação dos serviços incluídos no escopo já é realizada atualmente por empresas privadas", diz a nota. A secretaria também afirmou que o setor privado vai "garantir ambientes mais seguros e modernos para alunos e professores".
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