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Foto do escritorIvana Veraldo

Sou um corpo ou tenho um corpo?

Pouco tempo depois de ter conhecido Laura, eu a encontrei por acaso numa cafeteria. Convidei-a para sentar e ela soltou uma flechada.

 

_ Eu tenho pé grego.

 

_ Você nasceu na Grécia?

 

_  Não, só o meu pé é que é grego.

 

A informação  entrou no meu cérebro e caiu no lugar onde moram meus aprendizados históricos.



CAIXINHA DA HISTÓRIA

Homero, na Ilíada, conta que o guerreiro Aquiles tinha o corpo protegido porque sua mãe, a deusa Tétis, o segurou pelos calcanhares e o mergulhou nas águas do rio Estige, logo após o seu nascimento. Como os calcanhares não foram molhados, eles se tornaram seu ponto fraco. Aquiles foi morto por Paris, na Guerra de Tróia, atingido por uma flecha no calcanhar.

 

_ Ah, entendi, você tem uma lesão no calcanhar de Aquiles

 

_ Não viaja Ivana. Pé no chão! Eu tenho o segundo dedo do pé maior do que o dedão. Popularmente, isso é chamado de pé grego. Pelo que sei tem outros tipos de pé, como o egípcio e o romano.

 

_ Grego, egípcio e romano? Que legal! Pés geográficos.

 

_ O pé grego aparece  em várias esculturas da Antiguidade. Chegou a  ser considerado um ideal de beleza, quase exclusivo dos deuses.

 

_ Não  sabia

 

_ Eu sempre tive muita vergonha dos meus pés e os escondia em calçados fechados, mesmo no verão.

 

_ Agora que falou, estou vendo esse detalhe dos seus pés. Mas, você está de sandália aberta.  O que mudou?

 

_ Depois de décadas sofrendo por achar que meus  pés eram inadequados, resolvi aceitá-los.

 

_ Fez bem Laura. Não existe corpo perfeito. Tem gente que passa a vida inteira em busca de um corpo ideal.

 

_ Hoje eu sei disso.

 

Uma caixinha com dados caiu na minha cabeça.

 

CAIXINHA DAS ESTATÍSTICAS

Estima-se que 32% da população brasileira tenha o “pé grego”, com o segundo dedo maior que o dedão.

 

_ Laura, conheci uma mulher que tinha os pés muito pequenos e usava sapatos fechados para disfarçar.

 

A História cutucou meu cérebro.

 

CAIXINHA DA HISTÓRIA

Na China, em meados do século X, para que uma mulher alcançasse certo status social e agradasse aos homens, seus pés deveriam medir entre 7,5 e 10 centímetros. As moças quebravam, amarravam ou enfaixavam seus dedos. Tal prática brutal só foi banida no início do século XX.

 

_ Fico preocupada com essa tremenda atenção dada ao corpo. Isso até pode ter alguns objetivos saudáveis, mas tem servido mais para alimentar o consumo de produtos e procedimentos para construir um corpo ideal que não corresponde ao corpo real das pessoas comuns.

 

_  Verdade. Antes de aceitar meu pé grego eu pensei em fazer a “Cirurgia da Cinderela”.

 

_ O quê?

 

_ É uma cirurgia que reduz o tamanho dos dedos dos pés, extraindo um pedaço do osso do dedo.

 

_ Nossa, que doideira!

 

Outra caixa com estatísticas me atropelou.

 

CAIXINHA DAS ESTATÍSTICAS

O Brasil é um dos países em que mais pessoas se submetem a procedimentos estéticos em todo o planeta. Em 2022, o país ocupou o segundo lugar neste ranking, atrás apenas dos Estados Unidos.

 

_ As pessoas tem dificuldade de perceber que o corpo é parte integrante do sujeito.

 

_ Como assim Ivana?

 

_ Nós não apenas temos um corpo, somos um corpo. Ele faz parte da nossa identidade. Nos servimos do nosso corpo para sermos quem somos.

 

_ Sabe, estou sentindo isso. Agora que estou aceitando meus pés parece que estou me abraçando inteira.

 

Conversamos mais um pouco e combinamos outro café. Recolhi meu corpo e rumei para minha segunda casa. A primeira é meu corpo. Pena que demorei para descobrir isso.

 

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