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SOBRE O TEMPO E OS TEMPOS

É muito comum a percepção de que nos últimos anos o tempo parece estar passando mais depressa do que antes. De fato, parece mesmo, pois os dias, semanas, meses e anos parecem "voar". Pessoas com mais idade, que viveram, por exemplo, nas décadas de 50 a 80 do século passado, são "prova viva" de que realmente o tempo parece estar passando mais depressa. No entanto, todos sabemos que o tempo em si continua o mesmo, pois um ano continua com 365 dias, um dia continua com 24 horas e assim por diante. Ou seja, a conclusão mais do que óbvia é que não é o tempo realmente que está passando mais depressa, mas a forma como nos relacionamos com ele é que sofreu e sofre mudanças. Não há um tempo, mas há tempos, pois ele, o tempo, tem um sentido humano, tem um sentido histórico, apesar de sua natureza.

 

 

Hoje em dia nossa relação com o tempo é quase neurótica, senão totalmente neurótica. Num mundo em que a comunicação a distância é absurdamente imediata, não admitimos tempo entre o envio da mensagem e a sua resposta. Estamos numa época que nos massacra do ponto de vista da comunicação entre as pessoas, pois, depois do advento especialmente do whatsapp, sem falar do facebook, instagram e congêneres, a ansiedade na resposta a nossas mensagens é automática; se a pessoa demora 5 minutos para responder, uma série de sentimentos são mobilizados, todos potencializados pela ansiedade. Ficaram para a história outras formas de comunicação, como as cartas, os cartões-postais e, mais surpreendente, os e-mails, os quais, na minha opinião, estão fadados a se tornarem, em breve, "peças" de museu, lembranças de algumas pessoas. Não havia ansiedade relacionada a essas formas antigas de comunicação? Claro que sim, pois só quem escreveu uma carta de amor, colocou no correio e esperou a resposta sabe a ansiedade sentida; no entanto, a ansiedade era de acordo com o tempo calculado para chegar a resposta e, portanto, não era imediata, não era absurdamente imediata como hoje em dia. Falando em carta, sempre me vem à mente as cartas jesuíticas trocadas entre aqueles padres no século XVI: um deles mais conhecido foi Francisco Xavier, que se tornou famoso como missionário no Oriente; ele morreu no início de dezembro de 1552 em Sanchoão, às portas da China; imediatamente foi escrita um carta com a triste notícia endereçada ao seu superior e amigo Inácio de Loyola que estava em Roma; o interessante, do ponto de vista da demora das cartas, é que existe uma carta de Loyola para Xavier escrita em maio de 1553; portanto, seis meses após a morte de Xavier, Loyola ainda não tinha recebido a notícia. Eram outros tempos e outra forma de se relacionar com o tempo.

 

Eu acho que um fato relevante para a mudança que se teve com relação à percepção da velocidade do tempo ocorreu com a popularização da televisão, pois, a partir daí, o tempo reservado a conversas na família e entre as famílias vizinhas passou a ser ocupado em frente à TV. A ansiedade gerada pelos próximos capítulos das novelas já deve ter alterado a percepção do tempo. E daí por diante, os meios de comunicação foram se tornando cada vez mais rápidos. Hoje o que representa a velocidade da comunicação e a intensidade da ansiedade, ansiedade que é responsável, em última análise, pela ideia de que o tempo passa mais rápido, é o whatsapp. Tal é a dependência deste meio que, em salas de aula, em palestras, em reuniões de grupos de estudo, em bares etc., cada vez mais as pessoas não conseguem ficar sem olhar seus celulares e, é claro, desviam sua atenção do professor, do palestrante, do assunto, da conversa etc. A neurose parece aumentar de forma implacável, e a ansiedade, cada vez mais potencializada, faz com que não sintamos mais o tempo; assim, é claro, o tempo realmente parece passar mais rápido. É o nosso tempo, é a forma como nos relacionamos com ele que acelera. Talvez seja por isso que hoje em dia cada vez menos as pessoas querem usar o tempo para curar feridas, para fazer os seus lutos, para aprender com a vida. A vida é cada vez mais intensa, o tempo, ou o nosso tempo, corre junto, cada vez mais rápido...

 

Para terminar, quero deixar aqui duas breves citações de duas perspectivas de se relacionar com o tempo que gosto muito, uma de Eclesiastes e outra da Legião Urbana, que poderiam servir de antídoto contra a ansiedade e a neurose modernas:

 

"Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu:

tempo de nascer e tempo de morrer,

tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,

tempo de matar de tempo de curar,

tempo de chorar e tempo de dançar,

tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las,

tempo de abraçar e tempo de se conter,

tempo de procurar e tempo de desistir,

tempo de guardar e tempo de lançar fora,

tempo de rasgar e tempo de costurar,

tempo de calar e tempo de falar".

(Eclesiastes, 3:1-7)

 

 

"E há tempos

Nem os santos têm ao certo

A medida da maldade

E há tempos são os jovens

Que adoecem

E há tempos

O encanto está ausente

E há ferrugem nos sorrisos

Só o acaso estende os braços

A quem procura

Abrigo e proteção"

(Há Tempos - Legião Urbana)

 

 

 

Meu Instagram: @costajuvenalcelio

 

Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.

 

 

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