Tenho participado de entrevistas e debates sobre regulação de redes, em razão de minha expertise em liberdade de expressão e, invariavelmente, as pessoas que defendem regular redes no Brasil acabam deixando escapar sua oculta intenção, seu sincero desejo, com frases do tipo: “essa gente não pode falar o que quer”.
Tratamos de legislações estrangeiras, do avanço da tecnologia, de liberdade de expressão, mas o foco verdadeiro é regular “essa gente”. E quem seria “essa gente”? O povão e os que se encaixam numa gaveta etiquetada pela mídia como “direita bolsonarista”.
O povão que, em sua maioria se tornou de direita no Brasil nos últimos anos, é tido por ignorante, já a direita bolsonarista é tida por chucra e tosca. E ambos causam gastura na sensibilidade de uma elite intelectual que circula por universidades, tribunais e imprensa, em aliança a políticos oportunistas, interessados em calar adversários.
Logo que saiu a decisão do ministro Flávio Dino de destruir livros com conteúdo ofensivo a minorias, participei de um debate universitário, ocasião em que um professor de Direito me disse: “livros não servem para ser destruídos; independentemente do conteúdo, devem ser semeados”. Sabendo que ele defendia regular redes, questionei em público se o mesmo raciocínio servia a postagens em redes sociais. Ele me olhou torto. Acrescentei que se tratássemos redes e livros de forma diversa, estaríamos promovendo a defesa de formatos, de molduras, e não de conteúdo, não da liberdade de expressão.
O professor respondeu: “não é a mesma coisa”. Claro que não é, afinal, a direita bolsonarista e o povão não escrevem livros ou, se escrevem, raramente alguém os publica. Se publicarem em massa e tiverem leitores, os livros serão a próxima coisa a ser mais regulada. Se estiverem na imprensa, e tiverem audiência, as emissoras serão criminosas - como já ocorreu, aliás. Se forem aceitos como professores universitários, e tiverem ouvintes, o ensino precisará ser remodelado. Se tiverem voz e palanque, suas candidaturas terão de ser anuladas e os eleitos, cassados.
Se as redes sociais fossem usadas apenas pela elite intelectual, as maiores fake news, desinformações e propagações de ódio poderiam tranquilamente ser ditas e cometidas e tudo estaria bem, tudo estaria certo. Faria parte do debate, ou poderiam ser contidas pelos mecanismos judiciais e indenizatórios já existentes. Como sempre aconteceu até hoje com a imprensa, diga-se.
O chicote da regulação, portanto, tem como marca conter e recivilizar “essa gente”. Nada mais higienista, asséptico, autoritário e tirânico. Só não escrevo também que é fascista, porque posso ser carimbado como “essa gente” e acabar preso.
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