Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e comunicador.
Embora seja uma analogia estritamente masculina, muitos se recordam como se montavam os times de pelada no campinho do bairro na infância distante. Cada craque para um lado, meia dúzia de esforçados divididos ao acaso e uma dúzia de cabeças de bagre divididos para completar o time, com função bem definida; marcar, cobrar lateral, recuperar a bola e entregar aos “donos” do time brilharem e tentarem definir o jogo. Acredite, nosso jogo partidário, por conta das regras eleitorais repete esta rotina, com a agravante de termos muitos “times”.

Na prática, nosso sistema de voto de legenda, com mais de duas dúzias de alternativas partidárias, repete a cena bucólica da infância com a mesma lógica cruel. Os “donos” do time, agora batizados de legendas, aceitam em suas equipes apenas um grupo pequeno de atletas eleitorais com potencial médio, que permitam qualificar a equipe, e, a seguir, percorrem a periferia completando o time com quem tiver disponível para que entrem em campo e ajudem os grandes a brilharem.
Quando bem-organizados, e quase sempre o são, disputam o campeonato eleitoral onde, ao final, apenas os “donos” dos times recebem troféus pela conquista do título político e os coadjuvantes, quase sempre selecionados nas regiões com menor densidade eleitoral contribuem com seu esforço, expresso em honrosos, porém reduzidos, pacotes de votos que lhes concedem prestígio na sua base, mas os mantem afastados dos centros de decisão, Assembleia e Congresso.
O processo é tão previsível que qualquer observador com um mínimo de cultura política faz a megasena eleitoral com facilidade. Meus ouvintes da CIA FM já estão acostumados; às 17 horas, após o fechamento das urnas, divulgo a relação dos eleitos, normalmente com 90% de êxito, com uma margem mínima de ajustes para os heroicos concorrentes que furam o cerco das legendas e, quando o fazem, são movidos por uma entre duas únicas razões; muito talento e representatividade ou um belíssimo suporte financeiro. Não tenho parceria com a Mãe Diná ou suas sucessoras, apenas alio, como tantos outros, uma boa leitura política e um conhecimento mínimo de matemática eleitoral. É tão previsível que, logo após o fechamento das migrações de legenda, é muito fácil para quem conhece as regras listar, ainda em maio, algo próximo de 60% da composição das futuras bancadas na Assembleia e no Congresso.
Descartada a Mãe Diná ou um eventual polvo eleitoral, basta observar o modus operandi de quase todas as legendas, com exceção das estritamente ideológicas, infelizmente cada vez mais inexpressivas por conta da legislação. O dono da legenda de posse do mapa eleitoral do seu estado, resultado das duas eleições anteriores, monta a sua escalação com alguns parceiros com bom potencial, para eliminar riscos e garantir uma boa soma de legenda, e percorre o interior oferecendo legenda, com a formidável possibilidade dupla de se tornar deputado ou se cacifar para as eleições municipais seguintes, estimulados pela promessa de acesso ao fundo eleitoral que os faz sonhar, mas chega na forma de migalhas ou gasto “casado”, grana que deve bancar ações que incluam o candidato local, cabo eleitoral de luxo, com o chefe da legenda que, desta forma, percorre o estado vendendo ilusão e destruindo a representatividade regional que deveria ser um dos pilares da nossa democracia.
Amparado pela cobertura do Bisbilhoteiro, que me concede mais leitores fora do Paraná do que na origem, acredito que você que me honra com a leitura em qualquer estado do país, pode estender o raciocínio porque as regras igualam as estratégias e, isto que já era uma tradição histórica no norte, Piauí e Maranhão, principalmente, onde por várias décadas as legendas “escalavam” vencedores e perdedores previamente organizados, com margem mínima para surpresas eleitorais, fato que agora se estende para quase todas as unidades da federação, especialmente depois que as regras limitaram a carona dos puxadores de legenda porque, agora os içados precisam atingir parte percentual do coeficiente eleitoral.
A resultante deste processo, é a concentração de poder nos grandes centros por conta da geografia das legendas e da densidade eleitoral. Para facilitar o entendimento; um deputado estadual no Paraná precisa conquistar algo como 40 mil votos e isto representa em torno de 80% dos votos de cidades polos como Cianorte, Paranavaí ou Umuarama, apenas 20% de centros maiores como Maringá e uma fração residual da região metropolitana de Curitiba. Tradução; as três cidades polos citadas ficam sem representação e as cidades maiores dividem desproporcionalmente as vagas disponíveis.
Lógico a solução correta é a adoção do voto distrital, mas justo e com um conjunto abrangente de vantagens, entre as quais não se incluem pavimentar o caminho dos donos de legenda para as capitais ou Brasília e por isso dificilmente será implantado, exceto por consistente pressão popular.
Por enquanto, restam aos centros menores entenderem as regras do jogo, inibindo que seus players eleitorais se prestem ao papel de cabos eleitorais de luxo dos donos das legendas.
Como os prefeitos destas cidades adoram o vazio eleitoral, porque a ausência de deputado os mantem soberano no quintal eleitoral, cabe à sociedade civil perceber que precisa intervir no jogo político, conscientizando eleitores e lideranças para que entendam que a disputa não é apenas um jogo de legendas, mas implica na representatividade regional, inclusive porque a mesma lógica que monta as chapas partidárias se reproduz na montagem das futuras equipes de governo, bastando para tanto, observar as mesmas cidades polos listadas para verificar que contribuem apenas com votos, como se entre seus habitantes nenhum tenha capacidade de ocupar cargos de relevância, reservados para o rodízio dos “aspones” mais expressivos de cada grupo partidário.
Só para contrariar a regra dos patrões de plantão, as cidades polos poderiam limitar suas candidaturas, permitindo alguma possibilidade de vitória até que o voto distrital devolva peso político proporcional a cada região do estado. É utópico? Talvez, mas sem dúvida seria bem mais inteligente e produtivo.
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