Alguns anos atrás comprei um livro num sebo em São Paulo, Cartas de Abelardo e Heloisa. Com uma bela capa, parcialmente de tecido, o livro contém cartas trocadas entre o filósofo Pedro Abelardo, que viveu entre 1072 e 1142, e Heloísa de Argenteuil, que viveu entre 1090 e 1164. À parte toda a importância filosófica e teológica de Abelardo, os dois protagonizaram uma linda história de amor, tanto que estão enterrados lado a lado no cemitério Pére Lachaise, em Paris. Depois que tiveram o primeiro filho ele foi violentamente castrado tornando-se, em seguida, frade, e ela, depois, se tornou freira. Mas, apesar disso, continuaram se amando até a morte. Há um filme de 1988, Em nome de Deus, que retrata tal história de amor.
Mas, o que eu queria apresentar aqui, na verdade, são dois escritos - uma dedicatória e um desabafo poético - que estão no livro por quem o comprou e/ou adquiriu depois. O primeiro é de 1944, escrito na ortografia da época, é simplesmente encantador. O segundo, escrito em 1964, revela uma alma arrependida. Ambos escritos combinam com o livro, aliás, o enriquecem, especialmente a mim, que tive a sorte de compra-lo e deveria ter preservo como se fosse um pequeno tesouro. Apresento os dois escritos como estão no livro para que se possa tentar visualizar. Detalhe, o primeiro texto é de uma letra simplesmente primorosa.
"Rio / 23 / XII / 44
À meiga e encantadora Ruth,
formosa alma de artista e apri-
morada estheta, e cujos dotes espi-
rituais e physicos tão grande
encantamento determinaram em
mim, que a ella me sinto preso
como o ferro ao iman, offereço
esta lembrança, modesta no
que concerne a apparencia,
grandiosa porém no que de
humano encerra whenzwei
sich lieben: o sublime amôr
de duas almas de escól, cujos
corpos, mesmo inanimados conti-
nuaram unidos no mesmo ataú-
de por unica e especial concessão.
É a historia de Abelardo, theólogo
e philosopho francez, que a sua
paixão por Heloisa e os seus infor-
tunios tornaram celebre.
Com eterna amizade e profunda
admiração:
Edward"
"Rute.
Rendeira de ternura a
[lua cheia,
ùnicamente para o nosso
amor.
Tive receio de dizer-lhe
[tudo,
e busquei no silêncio o
[meu escudo.
São Paulo, 17-7-64
Fernandes"
Não sei se é a mesma mulher, pois a grafia é diferente. Os autores dos escritos são outros. Tenho a impressão de que não sou o segundo dono do livro, devo ser ao menos o terceiro. Mas confesso aqui que gostaria muito de ter conhecido a Ruth, a outra Rute (se forem realmente pessoas diferentes), o Edward (especialmente ele, dono de tão belas palavras) e Fernandes. O livro é uma raridade, mas o que é mesmo raro se pensarmos em nossos dias são as poesias, cheias de beleza e sensibilidade, de Edward e Fernandes.
PS: eu emprestei o livro há algum tempo, não lembro quando e nem para quem. Espero que a pessoa leia este texto e me devolva a preciosidade. Mas, se isto não acontecer, que outras pessoas possam ter o prazer que tive ao folheá-lo pela primeira vez...
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.
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