A polarização crescente é promovida por aqueles que se favorecem dela.
Políticos, partidos e grupos mais extremistas se alimentam do descontentamento e da intolerância para ganhar mais apoio a suas ideias. Afinal, medidas extremas têm maior chance de aceitação quando se vê o outro grupo como um inimigo perigoso que é preciso eliminar, ao invés de um concorrente no debate.
Além disso, quanto pior o “inimigo” parece, mais soa justificável quebrar regras. Não à toa, um estudo mostrou que a polarização favorece a ascensão de líderes populistas “iliberais”, ou seja, que têm pouco apreço às normas democráticas e às limitações de poder.
Guerra cultural
Esse termo se refere a uma mudança no debate político ocorrido nos Estados Unidos a partir da década de 1990, e posteriormente no Brasil. O foco da disputa deixou a economia e as políticas públicas e passou para questões relacionadas à cultura, costumes e comportamento.
Por exemplo: os dois lados dão menor importância a propostas concretas, como um plano de política econômica, e colocam no centro da discussão questões de cunho moral, como a descriminalização do aborto e a educação sexual em escolas.
O professor e pesquisador Eduardo Wolf, autor do livro “Guerra cultural: ideólogos, conspiradores e novos cruzados”, define a guerra cultural como “uma luta pela alma da nação”.
Dois grupos, geralmente conservadores e progressistas, discordam a respeito da identidade de seu país ou sociedade e veem o antagonista como um inimigo que precisa ser silenciado. Ou seja, a tensão e a polarização se tornam maiores.
A polarização na prática
Para entender melhor as consequências da polarização, é útil analisar como ela afeta as sociedades e seus indivíduos.
No nível individual, a ciência já descobriu que, em muitos casos, uma opinião formada sobre determinado assunto importa mais do que os fatos relacionados a ele. Isto é, evidências têm pouco poder para mudar a visão de mundo de uma pessoa. Isso acontece por meio do “raciocínio motivado”. O termo se refere ao modo como tendemos a dar mais valor a fatos e informações que reforçam nossas opiniões e menos valor àqueles que as contrariam.
Um ambiente polarizado, sem tolerância e respeito a opiniões discordantes, reforça esse comportamento. O ambiente é criado pela propensão a sermos fiéis a grupos e, por sua vez, reforça essa propensão, como num ciclo. Nesse sentido, é possível entender porque fakenews se espalham com facilidade: elas se aproveitam da nossa vontade de acreditar em notícias que corroboram nossas ideias, independentemente da sua veracidade.
A fidelidade a um grupo, principalmente quando o assunto é política, também está relacionada à identidade que assumimos. Por conta disso, é mais difícil mudar de opinião a respeito de temas políticos do que aqueles relacionados a outros campos, como a ciência. Porém, quando uma discussão científica se aproxima da política, ela também acaba sendo envolvida na polarização.
Dessa forma, vemos casos como as divergências entre eleitores republicanos e democratas a respeito da pandemia de coronavírus nos Estados Unidos em 2020. Outro exemplo foi dado pelos políticos de ambos os partidos: alguns republicanos, incluindo o então presidente Donald Trump, se recusaram a usar máscaras para conter o vírus. Democratas, por sua vez, tentaram impor o uso.
Além da busca pela verdade factual, o excesso de polarização afeta também as soluções para problemas da sociedade. Um debate polarizado impede as análises profundas e cheias de nuances que questões complexas, como as do mundo em que vivemos, exigem.
No Brasil, os pesquisadores Pablo Ortellado e Márcio Moretto Ribeiro identificaram uma mudança no comportamento de usuários do Facebook.
Quando o assunto era política, havia, até 2013, seis principais comunidades, divididas por suas preferências e prioridades. A partir das manifestações de junho daquele ano e das eleições presidenciais de 2014, essas comunidades se dividiram em apenas dois grupos mais afastados e polarizados: progressistas e conservadores.
Em relação à política institucional, o processo decisório corre o risco de travar quando dois lados não conseguem formar acordos mínimos. Essa consequência é mais clara nos Estados Unidos, onde apenas dois partidos disputam o poder e, cada vez mais distantes, chegam a parar o país em votações fundamentais.
Por fim, como demonstram os autores do já citado “Como as democracias morrem”, a polarização, em último caso, leva à erosão das instituições e das práticas que compõem o sistema democrático, além de abrir espaço para lideranças iliberais.
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