ORGULHO LÉSBICO: MULHERES QUE AMAM E LUTAM POR MULHERES
- Fabiana Carvalho
- 19 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
O dia 19 de agosto, no Brasil, é dedicado ao Orgulho Lésbico. A data reporta-se às muitas lutas históricas das mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras mulheres, em destaque, a realização do 7º. Encontro Nacional de Lésbicas e Bissexuais, realizado no ano de 1996, no Rio de Janeiro. O evento foi criado para discutir a identidade lesbiana, valorizar direitos, saúde e a visibilidade dessas mulheres nas políticas públicas, ampliando o Movimento LGBT, antes demarcado, nos anos de 1980 e 1990, pela atuação dos homens gays.

Crédito da imagem: Eliseu Meira. Fotos Públicas
Há outro fato emblemático, na história do Movimento Lésbico Brasileiro, nesse mesmo dia. Em 19 de agosto de 1983, ainda em pleno governo militar, ocorreu o chamado “Stonewall brasileiro” ou Revolta do Ferro’s Bar. Localizado no bairro da Consolação, em São Paulo, o Ferro´s foi um ponto de encontro político e amoroso lésbico. Impedidas de manifestar sua sexualidade e de panfletar sobre seus direitos, as lesbianas se revoltaram contra a censura e o preconceito na divulgação do Jornal “Chana com Chana”.
O “Chana”... foi um importante veículo de informação feminista e lésbica, publicizando matérias sobre relacionamentos, saúde e direitos das mulheres lésbicas e bissexuais, sobretudo, esclarecendo muitas de nós que se descobriram mulheres que se relacionam com outras mulheres. As militantes do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), liderados pela ativista Roseli Roth, organizaram um manifesto com centenas de outras mulheres e apoiadoras/es contrários à violência, à repressão e a qualquer impedimento de estarem com suas companheiras, amigas, namoradas ou “ficantes” ocasionais. O levante do Ferro´s contribuiu para outras movimentações sociais da década de 1980 como a redemocratização, o combate ao HIV/AIDS, o movimento sindical, a visibilidade do movimento negro e uma série de manifestações pela Constituinte.
De lá para cá, algumas coisas mudaram em termos de políticas públicas e representatividade. O Plano Nacional de Promoção à Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, a Política Nacional de Saúde LGBT, o Conselho Nacional dos Direitos LGBT, os dispositivos jurídicos do Supremo Tribunal Federal, entre outros, articulam ações específicas para lesbianas, a exemplo: o combate à tripla discriminação (gênero, orientação sexual, raça/etnia), a promoção da saúde reprodutiva e integral, o enfrentamento à violência e à lesbofobia, o direito à adoção de crianças dentro dos requisitos previstos legalmente e políticas de igualdade civil como a união estável e o casamento igualitário. Na instância micropolítica, mulheres lesbianas e bissexuais organizam-se em torno de ativismos, encabeçando coletivos, campanhas, passeatas, manifestações, mas também se projetando em diversos cenários culturais, políticos, econômicos, sociais, associativos, etc. São mães, artistas, cientistas, líderes comunitárias, domésticas, médicas, estudantes que reivindicam visibilidade, respeito e amor que hoje, na atualidade, ousa se dizer!
No entanto, o patriarcado segue impondo suas marcas para as mulheres lésbicas e bissexuais no Brasil. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, somente entre os meses de janeiro a agosto de 2023, 5036 violações foram registradas nas 867 denúncias por quebra de direitos recebidas pelo Disque 100. O número corresponde ao percentual de 24% dos delitos cometidos contra a população LGBTQIA+ no mesmo período. Todavia, os dados são subnotificados, pois a violência contra mulheres – em particular, mulheres lesbianas – ainda é um tabu social; muitos dos agressores e suspeitos estão em ambiente familiar ou são pessoas muito próximas às vítimas. A ideia do estupro corretivo adensa o imaginário brasileiro; muitos ainda acreditam que a lésbica é a mulher que não deu certo numa relação heterossexual ou ainda não encontrou o “homem ideal” que a realizasse, crendo que relações sexuais não consentidas e à base da força possam ser um antídoto para o desejo lésbico.
De acordo com o Lesbocenso Nacional: Mapeamento de Vivências Lésbicas no Brasil, desenvolvido pela Liga Brasileira de Lésbicas e pela Associação Coturno de Vênus, o Brasil segue – negativamente – sendo campeão em assédio moral e sexual; cerca de 79% de 22 mil mulheres lésbicas e bissexuais entrevistadas, no ano de 2022, afirmaram ter sofrido algum tipo de lesbofobia (incluindo: violência física, psicológica, patrimonial, cibernética, institucional, etc); 77% dessas conheceram alguma mulher que sofreu violência por ser lésbica; e 6% declararam ter alguma conhecida vítima de lesbocídio.
Confluindo para a resistência e afirmativa da existência, ser mulher lesbiana ou bissexual é um ato de coragem para além da já ousada possibilidade de se relacionar sexualmente com pessoas do mesmo gênero. A categoria mulher, universalizada pelos sistemas econômicos, é uma construção social criada dentro de uma estrutura heteronormativa, que opõe feminilidade à masculinidade, porém a subordina em função da relação heterossexual, dos homens, da família mononuclear e da maternidade compulsória. A mulher lesbiana ou bissexual quebra essa esperada normatividade ao não se submeter às definições sexuais convencionais e ao pautar erotismo, sexualidade e amizade como fontes de poder e de auto expressão que desafiam a lógica do ser mulher esperada pelas sociedades patriarcais.
Esses aspectos tornam a identidade lesbiana ou bissexual afirmações políticas. Ser lésbica, ser bissexual é fazer política contra hegemônica, não apenas por desafiar diretamente as normas sociais, mas também por lutar contra a opressão, o sexismo, o racismo e a discriminação, representando a construção de outras possibilidades de vida, sociedade e afeto.
Para saber mais:
ARQUIVO LÉSBICO BRASILEIRO. ALB. Disponível em: <https://www.arquivolesbicobrasileiro.org.br/blog/>.
FERRO'S BAR. Documentário. Direção de Aline A. Assis, Fernanda Elias, Nayla Guerra e Rita Quadros. Brasil, 2022. 25 min. Disponível em: <https://etudoverdade.com.br/br/filme/50869-Ferro%60s-bar>.
LESSA, Patrícia. Chana com Chana e outras narrativas lesbianas em Pindorama. Belo Horizonte: Editora Luas, 2022.
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Fabiana Carvalho é Bióloga de formação; Mestra em Educação; Doutora em Educação para Ciências; Pós-Doutora em Educação Científica e Tecnológica. Interessa-se por Pesquisas nas Educações para o Corpo, Gênero, Sexualidade e Diferença, considerando os Estudos Feministas e LGBTQIAPN+. Navega pelos territórios da Biologia e suas imbricações com a Cultura, articulando críticas, discussões biológicas e também literárias sobre diversas questões do cotidiano. Colabora com o Canal “Bisbilhoteiro”, assinando textos para a Coluna “Bisbi Diversidade”.
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