PARTE 1
Suicídio é deserção?
Penso que, o conceito de suicídio não deve ser entendido apenas como o ato em si, mas como uma crise que se instala na pessoa, afetando profundamente sua família e a sociedade. Uma crise suicida é um estado emocional e psicológico que transcende o simples desejo de morrer. É um desejo de desaparecer, um sentimento de que a vida se tornou insuportável, sem qualquer esperança de alívio. Este estado não é uma mera desvalorização de si, nem uma deserção. É uma luta interna onde a morte parece ser a única saída, mesmo que sua verdadeira natureza seja desconhecida.
A profundidade da depressão e a crise suicida
A depressão que leva ao suicídio é uma crise profunda e complexa. Não é uma decisão simples, mas um processo de desistência de si mesmo, como se a pessoa quisesse livrar o mundo do peso que ela representa. Este desejo de desaparecer é alimentado por uma despersonalização causada por múltiplos fatores: dificuldades com a vida, abuso de drogas, transtornos, traumas e relações. Cada um desses elementos contribui para a deterioração do sentido de identidade e do valor próprio. Mas para compreender melhor isso, precisamos mensurar melhor a influência hormonal na depressão, sendo importante considerar o papel dos hormônios na nesse quadro de sofrimento. Desequilíbrios hormonais podem intensificar os sentimentos de desesperança e desespero, exacerbando a crise suicida. A complexidade da depressão inclui fatores biológicos que precisam ser reconhecidos e tratados adequadamente.
A crise de si mesmo e a angústia impensável
O que falta em nossa abordagem é o desenvolvimento de inteligências, especialmente a cultural, que ajude as pessoas em crise. A depressão contemporânea é uma crise de si mesmo, uma desintegração da identidade que leva ao desejo de autoextermínio. Como Winnicott observou, essas são angústias impensáveis, tão intensas que a pessoa não consegue suportá-las. A morte, então, se apresenta como o único alívio possível.
A angústia é um estado de ser que vai além do sofrimento físico ou emocional. É uma sensação de vazio existencial. Essa angústia é a sensação real da perda de um profundo sentimento de confiança interna, uma progressão contínua sem rupturas – a pessoa em crise de si mesmo enxerga a ruptura e não a possibilidade de integração.
Na perspectiva psicanalítica, a angústia está enraizada nas experiências iniciais de vida, especialmente no relacionamento com a figura materna.
Este é um aspecto fundamental da crise suicida que é o desejo de voltar ao útero materno. Este sentimento representa um anseio por proteção e segurança, um desejo de escapar da dor insuportável e encontrar refúgio no lugar onde a vida começou. É uma tentativa de regressão a um estado pré-natal, onde as angústias da vida adulta não existem.
A pessoa que se suicida sente uma necessidade urgente de restaurar o sentimento de confiabilidade que perdeu em si mesma. Elas duvidam de sua capacidade de continuar resolvendo, gerenciando e mantendo suas próprias vidas em um estado contínuo, por isso, anseiam pelo retorno ao útero. Esse desejo reflete um desespero profundo por voltar a um estado anterior, onde a maternidade providenciava todas as estruturas e as decisões não dependiam delas. É por isso que a sociedade e a família precisam trabalhar juntas para criar um estado de amparo, em vez de desamparo, que foi aprendido ao longo da vida. Somente assim podemos evitar que uma crise tão profunda inviabilize a continuidade da vida.
Jean-Paul Sartre, um dos principais expoentes do existencialismo, abordou a angústia como um aspecto central da condição humana. Em sua obra "O Ser e o Nada", Sartre descreve a angústia como a realização da liberdade e da responsabilidade absoluta que o ser humano possui sobre suas próprias escolhas. Ele sugere que essa percepção de liberdade pode ser paralisante, levando a um estado de angústia profunda.
Martin Heidegger, outro filósofo existencialista, também examinou a angústia em sua obra "Ser e Tempo". Heidegger argumenta que a angústia revela a verdade sobre a existência humana. Para ele, a angústia surge da confrontação com o nada e a finitude da própria existência, forçando o indivíduo a confrontar a própria mortalidade e a falta de um sentido intrínseco na vida.
Como sociedade, precisamos fortalecer nossos laços para que as pessoas em crise não se sintam desencontradas de si mesmas. O suicídio não é apenas um alívio para a pessoa, mas um ato violento com repercussões profundas para a família e a sociedade. Aqueles que ficam tentam sobreviver a essa violência, lidando com a dor e o impacto emocional que o suicídio causa.
O suicídio é muitas vezes a culminação de uma depressão não tratada ou não aceita pela família. A depressão é um evento familiar, que pode começar em um membro e contaminar os outros, ou se originar nos pais e afetar os filhos. O preconceito no tratamento da depressão intensifica o sofrimento individual. As questões familiares devem ser abordadas com cuidado e amor, reconhecendo que os estados depressivos podem ser mitigados por vínculos amorosos e compreensão, além da medicalização.
Aceitar que os estados depressivos podem ser cuidados com vínculos amorosos e uma compreensão mais profunda é superimportante. A abordagem não deve ser apenas medicamentosa ou de isolamento, mas uma integração de apoio emocional e aceitação familiar. Assim, podemos criar um ambiente onde as crises suicidas sejam prevenidas e tratadas com a seriedade e o compromisso que merecem.
Psicóloga Auriciene Lidório
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