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Foto do escritorGedeon Lidório

O trabalho dignifica, mas o excesso escraviza: uma perspectiva bíblica a respeito da discussão sobre a escala 6x1, trabalho e bem-estar – parte 2

O perigo da idolatria do trabalho

 

O perigo de transformar o trabalho em uma forma de idolatria é abordado por vários teólogos contemporâneos. Timothy Keller, em seu livro Every Good Endeavor, alerta que o trabalho pode se tornar um ídolo quando a produtividade ou o sucesso profissional ocupam o lugar de Deus no coração humano. Ele observa que, em uma sociedade obcecada pelo desempenho, o excesso de trabalho muitas vezes leva ao esgotamento físico, mental e espiritual, minando a saúde integral das pessoas.


 

Creio que Jesus em Mateus 6:24 disse a mesma coisa:

 

"Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas."

 

Há uma interpretação que essa lógica se refira apenas ao amor ao dinheiro/riquezas, mas devemos enxergá-la também na obsessão pela produtividade, que muitas vezes é idolatrada em sistemas econômicos modernos – quaisquer que sejam eles.

 

Hoje, vemos ecos do sistema egípcio em contextos de trabalho que priorizam a produtividade em detrimento da saúde física, mental e emocional dos trabalhadores. A cultura do "burnout", caracterizada pela exaustão extrema devido a cargas excessivas de trabalho, é um reflexo claro disso. Em muitos contextos culturais e profissionais, ser "workaholic" (viciado em trabalho) é visto como uma virtude ou até motivo de orgulho. Para alguns, o trabalho não é apenas uma fonte de sustento, mas também de identidade. Ser ocupado o tempo todo pode se tornar um símbolo de importância e relevância, como se o valor de uma pessoa estivesse vinculado ao quanto ela produz.

 

Há, pelo menos, três coisas que são prejudiciais nessa cultura de excesso: 1) O trabalho acaba substituindo Deus como fonte primária de identidade; 2) O descanso e o tempo com Deus ou a família são negligenciados e 3) O sucesso no trabalho é visto como a maior prioridade, mesmo à custa de saúde, relacionamentos e espiritualidade.

 

Regimes de trabalho excessivos reduzem a qualidade de vida, prejudicam os relacionamentos familiares e aumentam os riscos de doenças físicas e mentais.

 

Devemos sempre resistir a sistemas que desumanizam. Deus nos chama a valorizar o trabalho equilibrado, que sustenta a vida sem comprometer a dignidade e o bem-estar do ser humano.

 

O descanso é um mandamento divino. O descanso é mais do que um direito humano; ele é um mandamento divino que protege o ser humano da escravidão do trabalho e restaura sua dignidade. A instituição do sábado no Antigo Testamento é um marco na história bíblica, servindo como um lembrete de que a vida não é definida apenas pelo labor, mas pela relação com o Criador. Em Êxodo 20:8-10, Deus ordena:

 

"Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que moram em tuas cidades."

 

Há uma lógica aqui e ela é divina: o descanso não é um luxo, mas um ato de fé. Ele ensina que nossa identidade e segurança não dependem do que produzimos, mas de quem somos diante de Deus. O sábado é uma pausa sagrada, uma oportunidade de reconhecer que a provisão vem do Senhor, e não de nossas próprias forças. Isso contrasta com a mentalidade de autossuficiência promovida por culturas baseadas na produtividade.

 

O teólogo Karl Barth enfatiza que o descanso é uma resposta ao chamado divino para sermos humanos em plenitude, não apenas "máquinas de produção". Para Barth, ao descansar, afirmamos que nossa vida está enraizada em Deus, e não em um ciclo interminável de trabalho.

 

Além de ser um ato espiritual, o descanso é também um processo de renovação física e emocional. Em Deuteronômio 5:14-15, o mandamento do sábado é reiterado com um apelo à libertação:

 

"Lembra-te de que foste escravo no Egito e que o Senhor, o teu Deus, te tirou de lá com mão poderosa e braço forte. Por isso o Senhor, o teu Deus, ordenou que guardasses o dia de sábado."

 

Deus associa o descanso à libertação da opressão, mostrando que ele é uma dádiva para preservar a liberdade e dignidade humanas. É um lembrete de que o ser humano foi criado para mais do que trabalho exaustivo; foi criado para desfrutar da presença de Deus, dos relacionamentos e da vida em abundância.

 

No Novo Testamento, Jesus redefine e amplia o significado do descanso. Em Mateus 11:28-30, Ele declara:

 

"Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve."

 

Jesus revela que o descanso não é apenas uma pausa física, mas também uma renovação espiritual. Ele nos convida a encontrar descanso nele, libertando-nos da ansiedade, do medo e das pressões de um mundo que valoriza mais o fazer do que o ser.

 

Há grandes impactos no descanso – impactos físicos, mentais e emocionais. Falaremos disso na sequência deste artigo.

 

Até lá!

 

Obras para você consultar sobre o tema:

 

- Lendo os Salmos com Charles H. Spurgeon – clique aqui

- Como Integrar fé e Trabalho – clique aqui

- Dogmática Eclesiástica – clique aqui

- Caminho do coração – clique aqui


Pr. Gedeon Lidório

Instagram: @gedeonlidorio

 

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