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Foto do escritorGedeon Lidório

O trabalho dignifica, mas o excesso escraviza: uma perspectiva bíblica a respeito da discussão sobre a escala 6x1, trabalho e bem-estar – parte 1

O trabalho é parte integrante da vida humana e, na perspectiva cristã, um presente de Deus. Ele nos dá propósito, sustenta a sociedade e permite que colaboremos com o Criador no cuidado do mundo. No entanto, quando o trabalho ultrapassa os limites saudáveis, ele deixa de ser uma bênção para se tornar um fardo. O excesso de trabalho pode escravizar, minar a saúde mental e física, e enfraquecer os laços familiares e espirituais. Como podemos equilibrar o trabalho e o descanso à luz da Bíblia?

 

O trabalho como vocação divina

 

Desde o início, a Bíblia apresenta o trabalho como uma vocação divina, integrando-o à essência da criação humana. Em Gênesis 2:15, lemos:

 

"O Senhor Deus tomou o ser humano e o colocou no jardim do Éden

para cultivá-lo e guardá-lo."

 

O trabalho é uma expressão do cuidado humano pela criação de Deus, refletindo Sua imagem em nós. Trabalhar é um ato digno e uma forma de adorar a Deus por meio de nossas habilidades e dedicação.

 

A teologia reformada, especialmente através dos ensinamentos de Martinho Lutero e João Calvino, reforça essa perspectiva. Lutero escreveu sobre o conceito de "vocação" (do latim vocatio, que significa "chamado"), enfatizando que todas as profissões e ocupações podem ser vistas como chamados divinos. Para ele, a vocação não se restringe ao clero, mas abrange todas as esferas da vida, incluindo o trabalho. É uma forma de servir a Deus e ao próximo, independentemente da natureza da ocupação (Gene Edward Veith - How Vocation Transformed Society, 2016).

 

João Calvino também contribuiu para essa compreensão, afirmando que o trabalho é uma parte essencial da vida cristã e uma oportunidade de glorificar a Deus. Ele ensinou que cada pessoa tem um chamado específico e que, ao cumprir fielmente suas responsabilidades profissionais, está respondendo ao chamado divino. Há uma valorização de todas as formas de trabalho, reconhecendo-as como meios pelos quais Deus opera no mundo (Gene Edward Veith - How Vocation Transformed Society, 2016).

 

No entanto, é fundamental reconhecer que o trabalho nunca foi planejado para sobrecarregar ou desumanizar. A Bíblia estabelece um equilíbrio entre trabalho e descanso. Em Êxodo 20:9-10, Deus ordena:

 

"Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos,

mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor teu Deus.

Nesse dia não farás trabalho algum."

 

Deus, aqui, dá importância ao descanso e a renovação, indicando que o trabalho deve coexistir com a paz, o descanso e a alegria na vida diária. O trabalho é uma vocação divina que dignifica o ser humano, mas que deve ser equilibrado com períodos de descanso, evitando a sobrecarga e a desumanização.

 

 

O perigo do trabalho excessivo

 

A história bíblica serve como um alerta contra a distorção do propósito original do trabalho, quando ele se torna um instrumento de opressão e exploração. Um exemplo clássico está registrado no livro do Êxodo, onde o povo de Israel, escravizado no Egito, foi submetido a condições de trabalho extenuantes. Em Êxodo 1:13-14, lemos:

 

"E os egípcios faziam os filhos de Israel trabalhar como escravos,

impondo-lhes tarefas severas. Tornaram-lhes a vida amarga,

com trabalhos pesados de argamassa e tijolos

e com toda sorte de trabalho no campo;

em todos esses serviços os obrigavam a trabalhar com dureza."

 

O excesso de trabalho pode desumanizar, reduzindo os indivíduos a meros instrumentos de produção. Sob o domínio dos egípcios, os israelitas não eram valorizados por quem eram, mas apenas pelo que podiam produzir. Tal exploração quebra a dignidade intrínseca do ser humano, que é criado à imagem de Deus (Gênesis 1:27).

 

A escravidão pelo trabalho

 

O trabalho descontrolado e opressor contraria o caráter de Deus. O sistema egípcio, descrito no Êxodo, não apenas representava a exploração humana, mas também simbolizava a desconexão espiritual e a idolatria do poder e da produção. Essa opressão é denunciada ao longo das Escrituras como contrária ao propósito divino para a humanidade.

 

Na libertação dos israelitas do Egito, Deus não apenas resgatou um povo, mas também restaurou sua dignidade, oferecendo-lhes um novo sistema que incluía descanso, justiça e cuidado mútuo. O mandamento do sábado, instituído no Monte Sinai (Êxodo 20:8-10), é um antídoto direto contra a lógica egípcia da exploração: um dia semanal de descanso era um lembrete de que o valor humano não reside apenas no trabalho, mas na relação com Deus.

 

É aqui que reside um grande problema na interpretação de alguns cristãos a respeito da escala de trabalho 6x1 – pois é interpretada como uma regra estabelecida por Deus.


Longe disso, o que o Senhor estava fazendo é dando dignidade ao povo, tirando-o de um sistema escravagista e dando-lhes condições de vida com dignidade. A ênfase de Deus não é sobre os dias trabalhados, mas na necessidade de descanso. Isso acontecia até mesmo com a terra na agricultura. É chamado de Ano Sabático esse descanso da terra. Encontra-se em Levítico 25:1-7 e em Êxodo 23:10-11, onde a instrução clara era para trabalhar na terra durante 6 anos e o sétimo ano ser de descanso para a terra - em plantações, sem cultivo, deixando a terra descansar.


O princípio é o descanso, a preservação, o bem-estar. A ênfase é no cuidado.

Há grandes perigos quando queremos transformar o ser humano apenas em uma peça de uma engrenagem que promove a produção acima do bem-estar. Vamos entrar nesse assunto na próxima parte deste artigo.


Nos vemos lá!


Obras para você consultar sobre o tema:

 

- Lendo os Salmos com Charles H. Spurgeon – clique aqui

- Como Integrar fé e Trabalho – clique aqui

- Dogmática Eclesiástica – clique aqui

- Caminho do coração – clique aqui

 

Pr. Gedeon Lidório

Instagram: @gedeonlidorio

 

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