O vínculo entre humanos e animais de estimação é um fenômeno amplamente observado e estudado. A relação que desenvolvemos com nossos pets vai além da simples companhia; é um reflexo de necessidades emocionais profundas e complexas que buscamos satisfazer em nosso cotidiano.
Diante de um mundo caótico, estressante e muito conturbado, uma das razões primárias para esse apego é a necessidade de um amor controlado. Precisamos de alguma sensação de controle em um mundo repleto de incertezas e descontrole, por isso, a previsibilidade e constância que um pet proporciona são reconfortantes. Eles nos oferecem uma fonte constante de amor e carinho sem as complexidades e conflitos inerentes às relações humanas. Esse tipo de amor é seguro, sem grandes riscos emocionais, e isso nos atrai profundamente.
Proporcionam a nós prazer sem se opor a nós, o que é bem diferente das relações humanas, onde o conflito e a discordância são inevitáveis; os animais de estimação estão sempre prontos a nos acolher de forma incondicional. Eles não nos julgam, não exigem que sejamos algo além do que somos, e essa aceitação é um bálsamo para nossas inseguranças e ansiedades.
Os pets estão sempre disponíveis para amar e serem amados, mesmo em meio a uma rotina atribulada, onde o tempo para cuidar de nossas próprias emoções e das emoções alheias é escasso, eles, os animais de estimação, se apresentam como uma constante fonte de afeto. São uma presença sempre disposta a nos confortar, sem esperar nada em troca além de cuidados básicos, carinho e atenção.
Outro fator relevante é o descontrole social que existe do lado de fora de nossas casas, nos fazendo querer ficar mais fechados em nós mesmos. A sociedade contemporânea está marcada por incertezas, instabilidades e conflitos. O ambiente externo muitas vezes nos parece ameaçador e desgastante, enquanto a convivência com nossos pets nos oferece um refúgio seguro e acolhedor. A presença deles em nosso lar nos ajuda a criar um ambiente de tranquilidade e segurança emocional.
Os pets são trazidos para o nosso convívio para suprir nossas faltas internas. Em um mundo onde as conexões humanas podem ser superficiais e fragmentadas, os animais de estimação preenchem lacunas emocionais, oferecendo uma relação pura e descomplicada. Eles nos ajudam a lidar com sentimentos de solidão, proporcionando uma companhia constante e amorosa que nos faz sentir completos e emocionalmente nutridos.
No entanto, essa busca por controle e segurança emocional contrasta marcadamente com nossa reação diante das pessoas que são necessitadas, pobres, desvalidos, abandonados e excluídos, muitos desses são moradores de rua. Diferente de nossos pets, os moradores de rua estão fora de nosso controle. A presença deles nas ruas nos confronta com a dura realidade do desamparo e da vulnerabilidade humana, aspectos que preferimos evitar em nossa busca por estabilidade e segurança emocional.
Não queremos nos importar com essas pessoas porque temos uma formação reativa, baseada no medo e nas coisas que não queremos lidar conosco mesmos – a falta de controle da vida. Encarar a realidade dos moradores de rua nos força a reconhecer a fragilidade de nossa própria existência e a possibilidade de que, em algum momento, nossas vidas também possam sair de controle. Esse confronto com o potencial caos e desamparo é algo que muitos de nós preferimos evitar.
Nosso apego aos pets, portanto, também pode ser visto como uma tentativa de manter essa dissonância cognitiva à distância. Ao focar nosso amor e cuidado em seres que podemos controlar e que nos proporcionam um refúgio emocional seguro, evitamos lidar com as realidades incômodas e assustadoras que os moradores de rua representam. Ao invés de enfrentar a dura verdade de que a vida pode, de fato, perder o controle, nos refugiamos em relacionamentos que nos garantem uma sensação de domínio e previsibilidade.
Gosto sempre de falar que a nossa profunda ligação com os pets é multifacetada, envolvendo necessidades de amor controlado, prazer sem oposição, disponibilidade emocional, e a busca por um refúgio seguro em um mundo muitas vezes caótico. Eles desempenham um papel crucial em nossas vidas, ajudando-nos a enfrentar nossas vulnerabilidades e a encontrar conforto e segurança no afeto incondicional que oferecem. Ao mesmo tempo, essa ligação destaca nossa dificuldade em lidar com a fragilidade humana e o desamparo representados pelos moradores de rua, evidenciando a complexidade de nossas necessidades emocionais e defesas psicológicas.
Como sempre, quero terminar fazendo perguntas:
· Como a necessidade de controle influencia nosso apego aos pets e reflete nossa dificuldade com relações humanas imprevisíveis?
· Como o amor incondicional dos pets mascara nossas vulnerabilidades e inseguranças?
· Por que os moradores de rua nos causam desconforto enquanto buscamos conforto nos pets? O que isso revela sobre nossas defesas psicológicas?
· Até que ponto nossos pets substituem necessidades emocionais insatisfeitas nas relações humanas e afetam nossa empatia e solidariedade?
· Como equilibrar o conforto emocional dos pets com a necessidade de enfrentar os desafios emocionais e sociais dos moradores de rua?
Depois de construir uma base amorosa e segura com nossos pets, podemos nos abrir para ter nossas energias mais plenas. A segurança emocional proporcionada por eles nos dá a coragem para nos relacionarmos melhor com os outros. Com um coração equilibrado, devemos usar nossa criatividade para enfrentar desafios sociais. Os pets nos mostram o poder do amor incondicional, e esse aprendizado deve ser levado adiante. Precisamos ajudar os que sofrem, usando a estabilidade emocional conquistada como plataforma para ações altruístas, enriquecendo nossas vidas e criando um ambiente mais acolhedor e solidário, onde menos pessoas enfrentem o abandono.
Psicóloga Auriciene Lidório
Registro: CRP 08/20137 - CNES: 4598431
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