O MEDO MOVE MONTANHAS
- Marcio Nolasco
- 21 de mar.
- 4 min de leitura
Por Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Vivemos uma época em que as pessoas tomam decisões em suas vidas baseadas no medo. E, não falo daquele medo digamos mais interno, das coisas que podem até nos imobilizar, como, por exemplo, o medo de ficarmos sozinhos, de morrermos, de ficarmos doentes; nem falo de fobias de coisas externas que repercutem internamente, como o medo de multidões, de insetos, de sermos despedidos etc.. O medo é quase um companheiro inseparável, com o qual por vezes aprendemos a conviver e, por outras, precisamos buscar ajuda para enfrentá-lo. Mas, o medo que quero tratar aqui é um tipo de medo produzido em nós por um agente externo que nos leva a tomarmos atitudes até irracionais para preservarmos aquilo que consideramos o nosso porto seguro.

O sentimento do qual vou falar a seguir é aquele que nos move contra outras pessoas; o medo de que essas outras pessoas destruam o que acreditamos. Este tipo de medo é criado em nós, especialmente quando assume uma dimensão maior, portanto, mais assustadora, e faz com que identifiquemos o outro como causa do nosso mal. Assim, criamos em nossa mente um inimigo a ser combatido com todas as nossas forças, pois ele precisa ser anulado para que o nosso medo seja controlável. Este tipo de medo não é somente individual, ele se torna social, o que leva a que entremos em movimentos criados para, coletivamente, combater o mal e, portanto, destruir o inimigo.
Quando nos sentimos mais frágeis, quando nos defrontamos com mudanças que afetam um equilíbrio de uma situação que nos parece confortável, sentimos mais medo e, portanto, nada melhor do que uma causa, visível, concreta, palpável, do nosso medo, nada melhor do que a identificação de um inimigo a ser combatido. Parece ser tendência do ser humano encontrar sempre fora dele a causa de seus problemas, apontar outros ou determinada situação como responsáveis por sua infelicidade, sua crise, suas frustrações. De certa forma tal mecanismo se torna algo tranquilizador, pois se a causa dos meus problemas está fora de mim, eu tenho uma ótima desculpa para não rever o que eu penso, o que eu sou, a minha situação, e, assim, culpar o outro; o meu inimigo não sou eu mesmo, mas outra pessoa, outra situação. Imaginemos, por exemplo, um homem (no sentido do gênero) que tem uma grande insegurança em relação às mulheres e pensa e age de forma misógina, culpando as mulheres que o rejeitam; ele não se sente culpado pelo medo que tem das mulheres, pelo contrário, ele as culpa e, portanto, em sua cabeça, o medo que ele sente é produzido por elas e não por ele mesmo; as mulheres passam a ser o inimigo que deve ser menosprezado, diminuído, destruído.
Se este mecanismo ocorre na dimensão individual, o mesmo ocorre em dimensões maiores, como grupos e movimentos. Na história humana isto ocorreu inúmeras vezes. Sociedades em crise, mudanças sociais que provocavam questionamentos sobre o estado das coisas, produziram, em contrapartida, inimigos para serem enfrentados como responsáveis pelos problemas. Os governos que se instalaram a partir desse mecanismo foram, geralmente, despóticos, porque só à força para tentar evitar determinados movimentos. Assim se deu, por exemplo, no Império Romano, a partir do século I d.C., em que o inimigo eleito pelas graves crises foi o estrangeiro ou o bárbaro; assim se deu, também, na Alemanha Nazista, em que especialmente os judeus foram tomados como inimigos, pois culpados pela crise financeira e social, apenas para ficar em dois exemplos bem ilustrativos.
De uns anos para cá vemos a proliferação de outros inimigos criados como causa das crises porque passam diversos países, e, na condição de inimigos, como culpados pelo medo que parte da população sente. Franceses, ingleses, alemães, italianos e norte-americanos enfrentam crises em seus países e, em comum, parte deles elegeu como culpados os imigrantes, pois seriam eles que estariam tirando os seus empregos e levando a violência para suas sociedades. Ora, a crise, como já afirmei, leva ao medo, e o medo leva à busca de um responsável por ele, um culpado, um inimigo a ser enfrentado. Este sentimento é instrumentalizado politicamente a ponto de boa parte da população desses países elegerem pessoas de extrema-direita que prometem erradicar a crise, eliminando os seus causadores, ou seja, os estrangeiros, os outros, os inimigos. Assim como é mais fácil buscar a causa do medo individual em algo externo, da mesma forma a causa do medo social que é gerado pela crise é encontrado no elemento externo, tido como de fora, como um bárbaro.
No Brasil vivemos o mesmo fenômeno, com a diferença que aqui o elemento externo, o imigrante, não é tão vultuoso assim para ser considerado com a causa do medo. O inimigo aqui é identificado com o comunista, e não precisa ser alguém que ideologicamente se defina como tal ou que é filiado a algum partido comunista. Qualquer pessoa que não compactue com as bandeiras defendidas pelos autodenominados patriotas conservadores é tida como comunista e, portanto, eleita como inimiga a ser enfrentada. No fundo, o medo, produzido e sentido, é de tudo aquilo que mexa com o status quo, com a organização tradicional da sociedade, que mexa com a naturalização das diferenças e dos privilégios, ou seja, de um porto seguro social e ideológico.
Este medo move montanhas. Este medo aglutina muita gente. Este medo elege pessoas que defendem políticas excludentes. Este medo gera violência. Este medo gera censura. Este medo gera perseguição. Confesso que tenho muito, mas muito medo deste tipo de medo!!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
Perfeita análise psicológica.
Crise >> Medo >> Culpado >> Ação (ou reação).