Não sei se o leitor reparou como, atualmente, não se debate mais liberdade de imprensa, mas apenas liberdade de expressão. É que a imprensa acabou. Ninguém mais se importa. O setor se nichou de tal modo que, excetuadas honrosas exceções, reporta ao leitor apenas o que ele deseja ouvir. Ou apenas o que seus aliados, patrocinadores e mecenas desejam que seja dito. Os fatos se tornaram adaptáveis à opinião e a opinião se tornou rasa e vulgar.
Uma pesquisa mais ou menos recente do “Reuters Institute” apontou que apenas 28% dos brasileiros se interessam por fatos, enquanto mais de 60% se nutrem apenas de opinião. A depender da metodologia utilizada na pesquisa, o cenário pode ser pior; talvez o brasileiro sequer perceba a diferença entre fato e opinião, comprometendo sua resposta. Não estranha que, no Brasil, o jornalismo de opinião seja o queridinho: ao leitor, é mais sedutor, exige diálogo apenas com o subjetivismo de quem opina, ficando de fora da relação a complexidade do mundo; aos veículos de comunicação, é mais barato, não exige apuração, checagem, nada.
O filme “Ela disse”, que ficou em cartaz por muito tempo nos cinemas brasileiros, mostra a saga de duas jornalistas do New York Times atrás da história de assédio de um diretor da Miramax nos anos 1990. Ali é possível entender bem a dificuldade de se produzir jornalismo factual: corre-se atrás da história, ouvem-se fontes, descartam-se umas, demora-se na apuração de outras, viaja-se, há resistências, desistências, hesitações. Quem tem tempo e dinheiro para isso hoje em dia?
Um amigo jornalista me confidenciou que, após ter passado meses apurando uma história, quando estava para fechar seu texto, um colega publicou uma coluna de opinião sobre o mesmo tema e a chefia o fez desistir de sua longa apuração, entendendo que o assunto estava esgotado. Se a opinião já satisfizer plenamente o público, ninguém se aprofundará; se ninguém se aprofundar, a opinião satisfará plenamente o público. O velho e sempre novo dilema de Tostines, aliado a ser a opinião rápida e barata, faz com que hoje em dia apenas se produza e consuma opinião. A consequência é não ser mais sentida a falta dos fatos.
O estado de putrefação do jornalismo é tão avançado que as pessoas não mais acreditam de imediato nos fatos relatados por um jornalista, fazendo-se necessário que um especialista, influenciador, ou agência de checagem os referende, como a dizer: “pode consumir, eu atesto”. Ora, esse “atesto” é nada mais do que alguém opinar, ainda que tecnicamente, sobre os fatos, dizendo-os adequados ou não para o consumo. Tudo no jornalismo se transformou em opinião, inclusive os fatos. Não à toa, a sociedade moderna tem perdido sua guerra contra as chamadas “Fake News”. Não há como ganhá-la; nenhum lugar em nosso mundo é seguro mais para os fatos. Como escreve Borges, não há mais porta quando só há dentro.
Se, no nosso país, as pessoas consomem apenas opinião e, mesmo as que preferem fatos, acabam por consumi-los após o filtro da opinião de alguém, o jornalismo morreu, transformou-se em uma espécie de ficção. Curiosamente e, por mais paradoxal que seja, a ficção possa ser abrigo aos que desejam garimpar fatos. Inegável que um Dostoievsky, Kafka ou Machado de Assis, muito mais do que entreter, trazem em sua escrita toda a complexidade dos fatos pertencentes ao mundo em que viveram e que, nos nossos tempos, já não confiamos mais ver nas páginas dos jornais.
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