O individualismo e a perda da empatia na comunidade imigrante evangélica
- Gedeon Lidório
- há 8 horas
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A experiência de imigração é marcada por desafios profundos, como a adaptação cultural, a busca por estabilidade financeira e a insegurança legal. Para muitos evangélicos brasileiros nos Estados Unidos, a igreja se torna um espaço fundamental de apoio e acolhimento durante esse período de transição. No entanto, um fenômeno contraditório tem se destacado: muitos daqueles que conseguem regularizar sua situação migratória adotam uma postura mais dura em relação aos indocumentados, esquecendo-se de sua própria trajetória.

Por que tantos imigrantes regularizados defendem políticas migratórias duras?
Uma das grandes ironias dentro da comunidade imigrante evangélica é que, muitas vezes, aqueles que enfrentaram anos de dificuldades e incertezas para conseguir sua legalização são os primeiros a apoiar políticas migratórias restritivas. Esse fenômeno pode ser explicado por diferentes fatores:
O desejo de distinção: Uma vez regularizados, alguns imigrantes tentam se afastar da imagem de "indocumentado", buscando um status de pertencimento à sociedade americana.
A ilusão do merecimento: Muitos acreditam que conseguiram sua documentação "pelo esforço próprio" e que outros deveriam fazer o mesmo, ignorando as barreiras sistêmicas que dificultam a legalização de novos imigrantes.
O medo de represálias: Alguns temem que apoiar os indocumentados possa ser visto como um ato de conivência, colocando em risco sua própria estabilidade legal e financeira.
Essas razões revelam como a imigração não é apenas um processo burocrático, mas também um fator que transforma a identidade e os valores das pessoas ao longo do tempo.
O fenômeno da "distância moral"
A psicologia social nos oferece um conceito valioso para entender esse comportamento: o da distância moral. Esse conceito descreve como uma pessoa passa a ver o outro como um "outro" distante, em vez de um semelhante.
Quando um indivíduo passa por uma experiência difícil e, posteriormente, supera essa dificuldade, ele pode desenvolver um distanciamento emocional daqueles que ainda estão enfrentando os mesmos desafios.
Esse distanciamento pode levar à perda de empatia, pois o indivíduo passa a enxergar os que ainda sofrem como "fracos", "preguiçosos" ou "ilegais" que não fizeram o suficiente para sair daquela situação.
Esse processo também é reforçado pelo desejo de aceito social. Para ser visto como "parte da sociedade americana", o imigrante regularizado pode adotar o discurso predominante contra a imigração indocumentada.
Na comunidade evangélica, esse distanciamento moral pode ser ainda mais acentuado pelo discurso de que "Deus abençoou aqueles que se esforçaram". Esse argumento ignora as desigualdades estruturais e cria uma falsa sensação de superioridade entre os que conseguiram se legalizar.
"Misericórdia seletiva": uma contradição teológica
O discurso de que apenas aqueles que "merecem" devem ser ajudados não encontra respaldo na teologia cristã. A própria base do cristianismo é fundamentada na ideia de graça e misericórdia incondicionais. No entanto, muitos evangélicos regularizados adotam uma "misericórdia seletiva", reservada apenas para aqueles que já alcançaram estabilidade.
Jesus pregou apenas para os que já estavam seguros?
O Evangelho mostra que Jesus se dedicou aos marginalizados, estrangeiros e vulneráveis (Lucas 10:25-37, Mateus 25:35-40).
A parábola do bom samaritano:
Jesus ensina que o próximo é aquele que está necessitado, independentemente de status social ou legal.
A lição da peregrinação:
"Vocês foram estrangeiros no Egito" (Levítico 19:34) — um lembrete de que todo cristão deve lembrar de sua própria história antes de julgar o outro.
A falta de misericórdia para com os indocumentados contradiz o cerne do ensinamento cristão, tornando o apoio a políticas migratórias duras um ato de hipocrisia espiritual.
O impacto desse individualismo na comunidade evangélica
A adoção de uma postura individualista entre imigrantes legalizados pode ter consequências profundas para a própria igreja:
A quebra da solidariedade comunitária: igrejas podem perder sua função de acolhimento, tornando-se espaços frios e excludentes.
A perda de relevância espiritual: se a igreja não se posiciona em favor dos mais vulneráveis, ela se torna apenas um clube social religioso.
O afastamento dos indocumentados: muitos imigrantes em situação irregular deixam de frequentar os cultos por medo de julgamento ou rejeição.
Se as igrejas evangélicas desejam continuar sendo um refúgio para os imigrantes, precisam recuperar a empatia e o compromisso com o Evangelho, colocando a justiça e o amor acima das alianças políticas e dos interesses pessoais.
A perda de empatia entre imigrantes evangélicos regularizados revela uma tensão entre individualismo e compromisso com os valores cristãos. A "distância moral" e a "misericórdia seletiva" são sintomas de uma comunidade que está se afastando do próprio cerne do Evangelho.
A pergunta central permanece: a igreja será um espaço de acolhimento para todos ou apenas para aqueles que já alcançaram estabilidade? A resposta a essa questão determinará o futuro da comunidade evangélica imigrante nos Estados Unidos.
Pr. Gedeon Lidório
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br
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