Sempre gostei de fantasiar, inventar e brincar. Duas décadas atrás, resolvi fazer um boneco de pano realista, um homem adulto, e o batizei de Romeu, numa referência à obra de Shakespeare. Tá certo que ficou parecendo mais um espantalho ou um Frankenstein. Como ninguém é perfeito, resolvi aceitá-lo como veio ao mundo.
Nessa época eu andava bem botequeira. Às sextas, encontrava um grupo de amigos e nos “pendurávamos” no balcão de algum bar.
Quando Romeu ficou pronto, levei-o para passear de carro, sentado no banco do passageiro. Era muito divertido perceber a expressão das pessoas que percebiam que era apenas boneco. Quando ele se acostumou a passear de carro, achei que sua vida social poderia ser ampliada e resolvi levar o crush ao bar na sexta.
Entrei sem Romeu. Ele ficou esperando no meu fusca amarelo. Cumprimentei os amigos e já larguei o petardo: “povo, eu trouxe meu namorado novo pra vocês conhecerem, mas ele tá com um pouco de vergonha e ficou lá no carro”. Os amigos se prontificaram a tentar convencê-lo a entrar no bar. A trupe festiva foi até o carro, que de propósito estacionei num local meio escuro. Abri a porta e ajudei Romeu a sair. Imediatamente explodiram gritos e risadas. Romeu entrou pela primeira vez num bar, sentou no balcão, bebeu cerveja e dançou rock. Farra total!
Romeu me acompanhou várias vezes ao bar. Passado um tempo, um desses amigos pediu o boneco emprestado para levar a uma festa. Eu, desapegada, não ciumenta, emprestei. Pra quê?! Romeu voltou parecendo um gato que foi para a esbórnia, cheio de arranhões, rasgões, marcas de baton, com cheiro de cerveja e faltando partes.
Achei melhor romper com Romeu. Não sou dada a consertar homens avariados.
Nessa coisa de criar boneco acompanhante realista, parece que não estou sozinha.
Em 2021, uma mineira fez um boneco de pano, deu o nome de Marcelo e casou-se com ele. Em 2023 ela “engravidou” e nasceu o boneco Marcelinho. Recentemente, começou a anunciar a segunda gravidez, agora de uma menina.
Em 2022, uma assistente social de Salvador, que trabalhava numa cidade da região metropolitana e se sentia muito insegura no percurso diário, teve uma ideia bem inusitada. Ela fez um casal de bonecos reais, Rosita e Pepe, e passou a colocá-los no carro quando viajava, passando a impressão de que estava sempre acompanhada.
Em 2024 uma mulher de Ohio, EUA, resolveu combater a solidão criando um boneco real de crochê, deu a ele o nome de Simon e passou a namorá-lo.
Desde 2000, uma moradora de Nagoro, aldeia japonesa que estava prestes a desaparecer, começou a fazer bonecos em tamanho real para substituírem moradores que já morreram ou se mudaram. Já fez cerca de 300 bonecos e eles são vistos em cenas cotidianas nas ruas, no trabalho rural e em cerimônias de casamento.
Romeu, Marcelo/Marcelinho, Rosita/Pepe, Simon e os “moradores” de Nagoro são bonecos e, obviamente, é preciso saber separar a realidade da fantasia.
A realidade tecnológica atual já cria artefatos com Inteligência Artificial (IA) que se relacionam com as pessoas, como as assistentes virtuais e os robôs. E, muitos usam essas tecnologias para aplacar a solidão. Quem já não escutou uma idosa dizer “a televisão é minha companhia” ou “Ainda bem que tenho a Alexa”.
No filme Ela, de 2013, um homem solitário compra um novo sistema operacional para seu computador e acaba se apaixonando pela voz do programa. Esta incomum história de amor explora a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia.
Já a história que vivi com o boneco partiu da minha criatividade e disposição para rir da vida. Só isso! Não sou uma Julieta, nem quero ser, mas já tive um Romeu. Rsrsrsrs
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