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Foto do escritorIvana Veraldo

Não conheço mais o silêncio

Sempre gostei de balbúrdia! Como sou professora universitária (aposentada), vocês já devem estar achando que vou zombar o Abraham Weintraub, um dos ministros da educação do governo Bolsonaro que ficou famoso nas redes sociais por ter proferido uma inverdade ao dizer que "as universidades eram espaços de balbúrdia". Bem, se produzir conhecimento  e ser lugar de debate plural e democrático é fazer balbúrdia, então gosto mesmo dessa condição. Mas não é sobre esse tipo de algazarra que quero escrever. 



Eu gostava do barulho causado pelas pessoas conversando, do barulho dos carros nas ruas, dos sons da cidade, de música alta dirigindo o carro ou para limpar a casa. Moro na mesma rua do Corpo de Bombeiros e próximo à linha do trem. Sirenes e apitos povoam meus dias. Mas, eles passavam despercebidos.

 

Tempos atrás, minha irmã foi  morar num sítio e propôs que eu construísse lá uma casa para mim. Respondi que não o faria, pois não suportaria aquele silêncio ensurdecedor.

 

Hoje, aposentada,  tenho buscado o silêncio interior e o tempo lento. Já não aprecio mais os sons altos. E, justamente nesse momento mais silencioso da minha vida, descubro que nunca mais ficarei na quietude. Tenho agora uma companhia constante. Uma presença incômoda. Uma visita que não descansa nunca e não me abandona. Tenho escutado constantemente um zumbido estrondoso nos meus ouvidos. Na verdade, escuto o barulho dentro da minha cabeça, atrapalhando o fluxo dos meus pensamentos, o meu sono e o convívio social.

 

É impossível saber como é exatamente o ruído do zumbido. Cigarra, apito, concha, panela de pressão, chiado, cachoeira. Pode ser até o som de uma rádio fora de sintonia. Sei que não é uma doença, é um sintoma. No meu caso, multifatorial: idade, perda parcial da audição, estresse,  pressão nas artérias do pescoço  e cabeça devido às quatro “próteses”  de metal na cervical, algum medicamento  que tomo, etc.

 

O problema acomete mais o sexo feminino e isso ainda não foi explicado, mas pode estar relacionado ao maior estresse das mulheres, com suas duplas ou triplas jornadas.

 

O fato é que as cigarras nunca descansam. Elas me visitam com mais intensidade a noite, que acaba sendo mal dormida. Afeta meu humor, minha paciência e concentração. No começo, pensei que ficaria louca, pois alterou totalmente a minha qualidade de vida.

 

Como é um problema invisível, os outros só ficam sabendo se contarmos. Eu conto para aliviar meu stress com essa barulheira. E estou descobrindo que boa parte das pessoas que conheço, com idade próxima à minha, já estão na mesma condição.

 

Quando mais desejamos silêncio, temos que viver com um barulho desses.

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