top of page

Nossa estranha democracia.

Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.


Não há dúvida que nossa democracia passou por um teste complexo em 2022 e, com muita resiliência, sobreviveu ao ataque que somou brucutus e alienados, distantes da realidade do século XXI, tentando repetir as velhas táticas consagradas nas republiquetas de banana, onde um cabo dava o golpe na segunda e um sargento contragolpe na terça feira. Mas nem por isso, o cenário é tranquilizador.



A principal sequela está nas siglas partidárias, onde a democracia é muito relativa, completamente vinculada aos interesses pessoais dos donos da legenda. Claro que as siglas ocupam espaços razoavelmente definidos na métrica ideológica, sendo possível ajustá-la a este padrão com eficiência, mas o problema é a flexibilidade imposta pelo jogo do dinheiro, em primeiro plano, e a disputa do poder que são fatores muito acima do que ideologia nas escalas de valores partidários.


Para qualquer lugar que se desvie o olhar, encontramos agressões ao processo democrático. A maior das eleições, na capital São Paulo, assistiu no período pré-eleitoral, a Federação PSDB – Cidadania rifar seu presidente, escolhido pelo diretório, e o PL dispensou a candidatura de Ricardo Salles porque tinha uma negociação eleitoral mais vantajosa. Em ambos os casos, as favas os escrúpulos e a ideologia porque partido vive de cargos e acordos, não de disputas.


Mesmo centros médios, como Maringá, dois deputados estaduais da cidade, ambos com uma boa largada eleitoral e liderança de suas legendas, tiveram suas candidaturas rifadas. Jacovós, do PL, talvez sobre pressão do diretório estadual, renunciou a uma candidatura competitiva e negociou a vice com o candidato favorito, bem aos moldes da velha política, enquanto Do Carmo, com campanha armada e duas legendas de candidatos a vereador foi atropelado pelo trem Sergio Moro que, monocraticamente, preferiu a legenda sem candidato, talvez porque fosse mais conveniente para armar o jogo para 2026.


Em todos os exemplos citados, não houve interesse partidário ou projeto de governo para as cidades, mas absoluta conveniência dos poderosos de cada legenda, relativizando a democracia dos partidos.


 Vencida a pré-campanha, a interferência dos escalões superiores ainda se faz notória. Recursos financeiros do fundão são distribuídos sob a tutela dos donos da legenda, quase sempre sem critérios defensáveis e como todos nós sabemos da relação íntima entre viabilidade eleitoral e financeira, é evidente que as chances eleitorais são turbinadas à distância, mais uma vez sob a tutela dos patrões de cada partido.


Reconhecida a interferência das relações verticais nos partidos, destaco ainda um outro fator que interfere na partilha dos votos, para além da disputa democrática, e para tanto te convido a observar a capacidade de discernimento do eleitorado em geral quando submetido ao bombardeio competente das redes sociais.


Mentes fragilizados, corações vazios a procura de paixões políticas e motivação eleitoral são presas fáceis para campanhas sofisticadas de marketing que somam estratégias de convencimento, catalisadas pelos indispensáveis fakes, completamente absorvidos pelo lado B de quase todas as candidaturas e a capacidade de transformar adversários em bichos papões, prontos para transformar a vida do cidadão comum em pesadelo, sempre de acordo com a versão assumida pelos capitães digitais, armados de podcasts e vídeos que, sempre que necessário, fazem escala na deep web para exorcizar adversários com eficiência.


Exceto pelos pequenos municípios, onde cada grupo, dois apenas em quase todos, lança livremente seus titulares, a lista de candidatos e acordos partidários é definida de cima para baixo e na sequência, as redes e suas possibilidades interferem em grau maior que o debate eleitoral lúcido. O desenho do candidato é um registro muito mais forte que o cidadão real que tenta fazer a diferença na política e estes fatores somados são muito mais relevantes do que a avaliação criteriosa das candidaturas e seus projetos para o município.


Se não bastassem estas questões, a onipresença do fator financeiro, que se transforma rapidamente em instrumentos de convencimento, carros, material, cabos eleitorais, lideranças, reuniões, enfim tudo custa muito caro nas campanhas e quem tem mais munição, se abastece de muitos mais elementos, como os citados, que tem poder de multiplicação no processo eleitoral.


Meu pequeno histórico político me permite afirmar que um único candidato a vereador custa dez mil reais em micro municípios, valor que sobe com a densidade eleitoral, me autorizando a estimar que apenas o financiamento das chapas proporcionais no mínimo empata com o orçamento legal autorizado para as campanhas majoritárias. Numa conta de padaria, em qualquer município médio, o candidato a prefeito precisa sustentar 40 a 50 candidatos a vereador, com custo projetado em mais de um milhão e meio, somados material gráfico, assessoria contábil e financeira, marketing, gasolina, cabos eleitorais, assessorias e demais penduricalhos.


Asseguro que prefeito pobre é algo cada vez mais raro e, em caso de dúvida, verifique o patrimônio dos favoritos do teu município, claro com a exceção dos candidatos que cabem no figurino de “filho” ou “esposa” do coronel local ou regional porque esses impõem a genética como fator de desequilíbrio, dispensando filigranas adicionais.


Triste democracia? Talvez não, simplesmente porque nada nem ninguém pode acompanhar o eleitor na sagrada missão de apertar as teclas que definem o próximo titular da gestão municipal. Todavia, só os  eleitores, principalmente em suas formas organizadas, podem assumir o comando do debate eleitoral, jogando por terra todos os demais fatores e permitindo um escolha justa do melhor candidato.


A fórmula é simples e bastante conhecida. Candidato com a faca no pescoço, no sentido figurado, submetido a debates e entrevistas que os ponham a nu, sem o verniz do marketing, sem o impulsionamento das mídias ou o financiamento ostensivo, podem deixar evidenciado sua real capacidade de cumprir a extensa lista de promessas eleitorais.


Pode nem ser a solução definitiva, mas, aposto a minha reputação nisto, é extremamente provável que a margem de erro se reduza substancialmente e, mais que atores comportados, a gente escolha gente honesta e com espírito público para cuidar de nossas cidades.



Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
sinveste.png
454570806_893951759429063_5834330504825761797_n.jpg

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados nos espaços “colunas” não refletem necessariamente o pensamento do bisbilhoteiro.com.br, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.

* As matérias e artigos aqui postados não refletem necessariamente a opinião deste veículo de notícias. Sendo de responsabilidade exclusiva de seus autores. 

bottom of page