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Foto do escritorIvana Veraldo

No ponto!

A tarde se despedia dando lugar à escuridão da noite. O ponto de ônibus era mal iluminado pela luz fraca que vinha dos postes da rua. O coletivo de Maringá-Paiçandu, linha Guanabara, ia demorar. Sentei sozinha no banco do abrigo e comecei a exercer uma das minhas atividades preferidas, devanear.

 

Gosto de ficar nesse não-lugar, uns vem, outros vão, tem gente que pensa que sinal de sucesso é ter carro próprio, sucesso é transporte público de qualidade, quem foi o idiota que colocou o nome Guanabara no meu bairro? calor faz, mas não tem praia,  o povo pensa que ponto de ônibus serve de encosto para bêbado, banheiro para cachorro, alvo para os carros baterem… 



Um homem alto, forte e cheio de tatuagens  nos braços e no pescoço interrompeu meus pensamentos.

 

_ A linha Guanabara já passou?

 

_ Não.

 

Adoro puxar conversa com estranhos. Quem sabe o papo altera a ordem do universo, me dá uma nova visão de mundo ou aprendo uma nova receita de torta de espinafre.

 

_ Será que vai chover?

 

Em minha defesa ventava muito naquele momento e no céu havia nuvens escuras.

 

_ Acho que não.

 

_ Tá muito quente.

 

_ É!

 

_ Notei que o senhor tem várias tatuagens.  Eu tô querendo  fazer uma, mas ainda não tive coragem.

 

_ Eu tenho o corpo todo tatuado.

 

_ O senhor é corajoso. Tenho medo da dor.

 

_ Nessa vida, nos acostumamos com a dor.

 

_ O que significa esse peixe grande?

 

_ Você quer mesmo saber?

 

_ Eu sou muito curiosa. Me conta. De repente gosto do significado e faço uma igual. Achei bonita.

 

_ Esse peixe é uma carpa. Me obrigaram a fazer na cadeia. Eles marcavam quem pertencia ao PCC.

 

Meu coração acelerou. A mente ferveu e repetia cadeia PCC cadeia PCC cadeia. Olhei para os lados, estávamos sozinhos. A rua deserta. A noite insistia.

 

_ Esse palhaço aqui (disse, apontando para o antebraço direito) fiz depois que saí da cadeia. No PCC, quem mata policiais faz o palhaço.

 

Senti um soco na boca do estômago. O medo atrapalhou meu raciocínio. Tentei lembrar de alguma instrução  sobre como agir quando você conhece um matador. As escolas deveriam ensinar isso.

 

_ Olha só, que bacana!

 

Neste exato instante o ônibus linha Guanabara chegou. Ufah! O facínora começou  a entrar e perguntou:

 

_ Você não vai nesse? Posso explicar as outras.

 

_ O meu é outro.

 

Nem respondeu. Meu olhar vidrado nele, dentro do “meu” Guanabara. Droga, vou chegar atrasada no trabalho. Pelo menos, estou viva. Maldita mania de puxar conversa com estranhos.

 

 

 

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