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Foto do escritorIvana Veraldo

No dia dos namorados, escrevo sobre a epidemia global de solidão

Solidão é lava que cobre tudo

(Dança da solidão, Paulinho da Viola)

 

A solidão é fera, a solidão devora

(Solidão, Alceu Valença)

 

No dia dos namorados eu deveria escrever somente sobre o amor romântico mas tenho certeza que vocês já devem estar cansados desse blá blá blá.

 

Prefiro escrever sobre a epidemia global de solidão que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afeta um quarto da população  mundial e desequilibra nossa saúde física e emocional.

 

A solidão é complexa, plural e multifacetada. Há várias formas de experimentar esse sentimento que, todos nós, em alguma medida, já sentimos ou vamos sentir algum dia. Existem, portanto, solidões! E a OMS não é muito clara em designar de que tipo de solidão trata a pesquisa que gerou o dado acima. Solidão existencial, solidão pela falta de ou nos relacionamentos românticos, pós luto, dos idosos, solidão em meio à multidão urbana? Ou outros tipos de solidão? Na solidão como fenômeno social há o sentimento de desamparo e de não pertencimento à comunidade, a solidão dos excluídos dos direitos sociais, dos pobres, dos pretos, dos indígenas, da comunidade LGBTQIA+, dos refugiados e tantos outros isolamentos.

 


Frente a essas solidões, o que é a solidão de não ter namorado no dia dos namorados?

 

O fato é que a solidão não deixa der ser um sintoma da velha contradição  entre interesses individuais e a vida em sociedade. Quem predomina? O eu ou o outro? O eu ou os outros?

 

Talvez haja da parte de muitos o desejo de vínculos mais profundos e duráveis, mas esses laços também são temidos, uma vez que podem  ameaçar a liberdade e os interesses individuais. A solidão é lava que cobre tudo.

 

O paradoxo sobre o tema da solidão reside no fato de que a mesma sociedade que estimula a liberdade individual - e vende microapartamentos para se morar só - estimula também a  busca do amor romântico como condição de felicidade. A mesma sociedade que cultua o individualismo, a autossuficiência e a privacidade, propaga um discurso que impõe a necessidade de sermos sociáveis o tempo todo.

 

Nesse contexto contraditório, as relações virtuais parecem feitas sob medida. Elas promovem uma  “aproximação distante”. Tem-se a possibilidade de desconectar quando não há mais interesse ou satisfação. No espaço virtual, a liberdade individual fica mais preservada. O contato é higienizado.

 

Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão” (Mia Couto)

 

É importante considerar a perspectiva de que a solidão individual não significa necessariamente adoecimento, isolamento ou exclusão. Um pouco de solidão é bom para fortalecer nossa identidade. Contudo, é preciso ter clareza sobre os paradoxos acima referidos. A quais condições a busca de felicidade vem sendo vinculada? Como fazer par, ou pares, numa sociedade altamente  individualizada? Até que ponto estar com outro, ou outros, ameaça nossa liberdade individual? Como equilibrar o eu-você-nós no dia dos namorados e sempre?

 

Por último, em tempos de tanto individualismo e consumismo também devemos nos perguntar: a quem interessa de fato comemorar essa data?

 

 

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