Nascido Escravo – A Ilusão do Livre-Arbítrio e a Responsabilidade Humana
- Christina Faggion Vinholo
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Por Christina Faggion Vinholo, teóloga, especialista em AT e NT.
O conceito de livre-arbítrio, à luz da exposição de Martinho Lutero em Nascido Escravo e da teologia reformada desenvolvida por João Calvino, revela-se uma ilusão incompatível com a doutrina bíblica da salvação. Lutero argumenta que a vontade humana não é livre, mas escravizada ao pecado, à carne e à vontade de Satanás. Romanos 3 declara enfaticamente: “Não há justo, nem um sequer… não há quem busque a Deus” — negando assim qualquer capacidade natural do homem de voltar-se voluntariamente para Deus. Calvino, por sua vez, aprofunda essa compreensão ao afirmar que, na Queda, a vontade humana foi radicalmente corrompida, tornando-se incapaz de desejar ou buscar o bem espiritual sem a intervenção da graça divina.

A noção de livre-arbítrio pressupõe que o homem, mesmo em seu estado caído, possui algum poder inerente para escolher a Deus. No entanto, as Escrituras ensinam que, deixado a si mesmo, o homem se afasta inexoravelmente do Criador. Lutero enfatiza que a lei não indica um caminho para a justiça pelas obras, mas tem o propósito de revelar o pecado, humilhar o homem e conduzi-lo à graça. Calvino, ao expor a doutrina da depravação total, afirma que todo pensamento, desejo e intenção do homem natural são inclinados ao mal (Gn 6.5), sendo a regeneração uma obra exclusivamente divina.
Se o livre-arbítrio fosse real no sentido de permitir ao homem cooperar com Deus para sua salvação, haveria mérito humano no processo, o que contradiz frontalmente textos como Romanos 3.24: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça.” Calvino enfatiza a doutrina da graça irresistível, segundo a qual os eleitos não apenas recebem a oferta da salvação, mas são eficazmente chamados pelo Espírito Santo, sendo-lhes concedida uma nova vontade e novo coração (Ez 36.26-27). Esse chamado não pode ser frustrado pelo homem, pois Deus, em sua soberania, conduz seus escolhidos infalivelmente à fé.
A afirmação de que o homem não possui livre-arbítrio para buscar a Deus não anula sua responsabilidade moral diante do Criador. O fato de o ser humano ser incapaz de crer por si mesmo não significa que não seja chamado a crer. A Bíblia é clara ao ordenar que todos se arrependam e creiam no evangelho (At 17.30). Deus não exige do homem nada além daquilo que lhe é devido — o problema é que o homem, em seu estado natural, rejeita esse chamado porque ama mais as trevas do que a luz (Jo 3.19).
A responsabilidade humana deve ser entendida à luz da relação entre a justiça de Deus e a corrupção do homem. O pecado não remove a obrigação do homem de obedecer a Deus, mas o torna incapaz de fazê-lo sem a graça. Como ensina Romanos 1.20, os homens são indesculpáveis porque, mesmo conhecendo a verdade sobre Deus, suprimem-na em injustiça.
Contudo, essa incapacidade não pode ser usada como desculpa, pois o problema não está em uma impossibilidade externa, mas na própria disposição pecaminosa do coração humano. O homem não é coagido a pecar contra sua vontade — ele peca porque quer. Sua vontade é escravizada pelo pecado, mas essa escravidão não elimina sua responsabilidade; antes, a agrava.
Por isso, a pregação do evangelho permanece indispensável. Deus ordenou que sua Palavra fosse proclamada a todos os povos (Mt 28.19), e é por meio dessa proclamação que o Espírito Santo opera a regeneração nos eleitos. Aqueles que creem não podem atribuir isso ao seu próprio esforço ou mérito, mas unicamente à graça soberana de Deus.
Assim, a verdadeira liberdade não está na vontade caída do homem, mas na libertação que Cristo concede aos seus. Como ensina Efésios 1.11, Deus “faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade.” A salvação pertence exclusivamente ao Senhor, e toda glória deve ser dada a Ele, que irresistivelmente atrai seus escolhidos e os sustenta até o fim. Ao mesmo tempo, a responsabilidade do homem permanece, pois Deus o chama a se arrepender, e sua rejeição desse chamado é fruto de sua própria perversidade.
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Parabéns pelo artigo, diz muito e de maneira clara.