O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes se declarou impedido neste sábado (1º) de permanecer no caso da ameaça e perseguição contra membros de sua família.
Ele prosseguirá, no entanto, com a relatoria relacionada à suspeita do crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito com emprego de violência ou grave ameaça.
Com isso, Moraes manteve a prisão preventiva dos dois suspeitos que haviam sido presos na sexta-feira (31) pela suspeita de envolvimento nas ameaças, apontando que há "fortes indícios de autoria".
O ministro dividiu o caso em dois. As investigações sobre os crimes de ameaça e perseguição devem ser redistribuídas a outro ministro do STF, já que ele é impedido de atuar nela.
Moraes, porém, afirmou que há provas colhidas nesse caso conectadas às ações que investigam os ataques à democracia, relatadas por ele.
As provas foram encaminhadas para a Polícia Federal, que deverá, em um prazo de 15 dias, apresentar laudos referentes aos aparelhos apreendidos.
"Os fatos narrados pela Procuradoria-Geral da República são graves e, presentes a comprovação de materialidade e fortes indícios de autoria, apontam a intenção consciente e voluntária dos agentes em restringir o exercício livre da função judiciária, notadamente quanto às investigações decorrentes dos atos praticados no dia 8.jan.23", afirma o ministro em sua decisão.
Moraes diz que, por isso, há "presença dos requisitos necessários e suficientes para a manutenção de ambas as prisões preventivas, apontando, portanto, a imprescindível compatibilização entre Justiça Penal e o direito de liberdade, contexto que deve ser considerado".
O ministro menciona que a PGR apontou que o conteúdo de mensagens trocados pelos suspeitos, com referências a "comunismo" e "antipatriotismo", evidenciam "com clareza o intuito de, por meio das graves ameaças a familiares do ministro Alexandre de Moraes, restringir o livre exercício da função judiciária pelo magistrado do Supremo Tribunal Federal à frente das investigações relativas aos atos que culminaram na tentativa de abolição do Estado democrático de Direito [em 8 de janeiro do ano passado]".
Segundo ele, houve um modus operandi semelhante ao que culminou com os ataques golpistas às sedes dos três Poderes, por meio de "instrumentalização das redes sociais por extremistas digitais -as criminosas 'milicias digitais'-, no intuito de coagir a autoridade judiciária que preside os inquéritos [Moraes]".
Após pedido da PGR e ordem de Moraes, a PF prendeu na sexta dois suspeitos de envolvimento em ameaças contra a família do ministro.
Em nota depois da prisão, Moraes reproduziu trecho de pedido da PGR que cita "a gravidade das ameaças veiculadas, sua natureza violenta e os indícios de que há monitoramento da rotina das vítimas".
Um dos presos é o fuzileiro naval Raul Fonseca de Oliveira, sargento atualmente lotado no Comando da Marinha, segundo o Portal Transparência do governo federal. O outro é Oliverino de Oliveira Júnior.
Moraes foi questionado por especialistas pelo fato de ter decidido, na operação realizada pela PF na sexta, sobre um tema que lhe diz respeito.
"A lei brasileira não permite que a vítima julgue o próprio caso", afirmou à coluna Painel, da Folha de S.Paulo, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Beto Simonetti.
O presidente da OAB também avaliou que o STF erra ao julgar pessoas sem foro especial.
Professor de direito da PUC-SP, o advogado Ricardo Sayeg afirmou que a prisão autorizada por Moraes na ocasião era "absolutamente ilegal".
"É muito grave ameaçar um ministro do Poder Judiciário e a família dele. Essa gravidade é proporcional ao impedimento dele de ser o magistrado da causa."
Ele citou como base para justificar o impedimento de Moraes o artigo 252 do Código de Processo Penal, que afirma que o juiz não pode exercer jurisdição no processo em que "ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito".
Em entrevista ao jornal O Globo em janeiro, Moraes disse que as investigações dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 revelaram três planos para matá-lo.
"O primeiro previa que as Forças Especiais do Exército me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio", disse o ministro, à época.
"E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes", completou.
Presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), o advogado Renato Stanziola Vieira concordou que, de forma geral, um ministro não deve julgar um caso em que ele seja parte interessada. Ainda afirmou que o Supremo só deve avaliar questões relacionadas ao próprio tribunal, não aos ministros.
"Se não for uma questão do Supremo, e for de um dos seus integrantes pessoalmente, tem de ser avaliado em primeiro grau. E a vítima não pode ser quem vá determinar uma decisão judicial", disse ele.
O presidente do instituto ainda disse que prisões preventivas não podem ser decretada por conta do tipo penal, mas em casos em que há risco ao processo se o suspeito permanecer solto.
"Ameaça é um tipo penal, por isso, sem outro contexto de perigo ao processo, ninguém pode ser preso preventivamente. Prisão preventiva supõe risco de algo, não apenas o cometimento de um crime, seja ele pouco ou muito grave."
Ele ponderou, no entanto, que não era possível avaliar o caso de forma aprofundada, pois a decisão está sob sigilo.
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