top of page
Foto do escritorIvana Veraldo

Inventário dos meus outros eus

Preciso ser um outro para

ser eu mesmo (Mia Couto).

 

No filme Fragmentado, do instigante diretor Shyamalan, Kevin possui 23 personalidades distintas. Ele sequestra três adolescentes e as leva para um cativeiro, onde suas diferentes facetas se manifestam. O personagem sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI). Quando assisti a esse filme fiquei fascinada pela interpretação que James McAvoy fez de Kevin.

 

Gosto muito de histórias nas quais uma pessoa transforma-se em outras. No caso do filme Fragmentado, as mudanças de personalidade fazem parte de um quadro doentio. A escolha consciente de ser “um outro” é bem diferente. Não retrata um transtorno, mas sim a liberdade criativa de interpretar papéis não habituais. É o que acontece, por exemplo, com os humoristas, os atores e os escritores. Jô Soares inventou mais de 300 personagens e Chico Anysio cerca de 200. As atrizes Fernanda Montenegro e Susana Vieira já interpretaram centenas de personagens super diferentes.

 

Luiz Fernando Veríssimo, na crônica Versões de mim, narra a história de um personagem que encontra várias versões dele mesmo em um bar, cada uma surgida de uma decisão que ele tomou na vida. O escritor brinca com as inúmeras identidades que teria construído, caso tivesse feito escolhas diferentes.

 

Muitos desses artistas e escritores contam que a liberdade de criar personagens contribuiu para a formação das suas identidades. A frase de Mia Couto é adequadíssima: "Preciso ser um outro para ser eu mesmo".

 

É muito bom vivenciar o mundo de diferentes formas. E não é preciso ser humorista, ator ou escritor.  Assistir um filme ou ler um livro também pode gerar experiências  diversas que contribuem para ampliar o senso de solidariedade e empatia.

 

Raul Seixas cantava “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião sobre tudo”. Ele sabia que não somos os mesmos em todas as circunstâncias. Podemos mudar sempre e reconhecer nossas transformações ajuda a compreender outras culturas 

 

Além da solidariedade e da empatia, é possível ser irreverente e representar personagens  diferentes de nós mesmos. Minha faceta inventadeira já me permitiu ser Maria Bonita, uma Aia (d’O conto da aia), Blanche (Um bonde chamado desejo), drag queen, operária, diarista, cigana, homem, bruxa, velha, papai Noel, coelho da páscoa, palhaça, hippie… Usei adereços para ficar parecida com Elton John, Fred Mercury e Belchior. Já me vesti de Sônia Braga e dancei na discoteca Frenetic Dancin' Days. No palco da vida já fui criança, jovem, adulta, filha, mãe, amiga, irmã, tia, sobrinha, neta, esposa, vendedora, professora, pintora, escritora, leitora… 


Meus outros eus. Colagens de Ivana Veraldo.

 

Definitivamente, não  cabemos em um único Eu. Fomos feitos para ser infinitas versões de nós mesmos. Então, cai bem terminar essa reflexão  com trechos do poema “Sou um evadido”, do Fernando Pessoa:

 

“Sou um evadido.

Logo que nasci

Fecharam-me em mim,

Ah, mas eu fugi. (…)

Ser um é cadeia,

Ser eu é não ser.

Viverei fugindo

Mas vivo a valer.”

(Pessoa, F. Obra poética,1997)

Comentarios

Obtuvo 0 de 5 estrellas.
Aún no hay calificaciones

Agrega una calificación
sinveste.png
454570806_893951759429063_5834330504825761797_n.jpg

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados nos espaços “colunas” não refletem necessariamente o pensamento do bisbilhoteiro.com.br, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.

* As matérias e artigos aqui postados não refletem necessariamente a opinião deste veículo de notícias. Sendo de responsabilidade exclusiva de seus autores. 

bottom of page