Nossas mães e avós quando casavam passavam a carregar as alianças e os sobrenomes de seus esposos. Muitas sem ter consciência do significado dessa prática, simplesmente confirmavam a submissão. Os costumes tradicionais e a herança cultural familiar sempre marcaram o destino das mulheres. Reproduzia-se a ideia de que, com o casamento, elas deixavam de ser propriedade do pai e passavam a ser propriedade do marido. Não adotar o sobrenome do cônjuge poderia, inclusive, representar desconfiança em relação a ele e à sua família ou.
Carregar o sobrenome do marido sempre pareceu a essas mulheres algo muito natural. A prática da adoção do sobrenome do marido é um dos vestígios da sociedade patriarcal que, apesar de algumas mudanças, ainda prevalece.
A construção da identidade passa por vários processos, entre outros, o reconhecimento do nome e do sobrenome das pessoas. Nas creches os professores realizam atividades pedagógicas que estimulam esse reconhecimento. Uma prática comum é a de trabalhar didaticamente uma música do compositor e cantor Toquinho, intitulada "Gente tem sobrenome". Numa das estrofes registra-se:
"Todas as coisas têm nome
Casa, janela e jardim
Coisas não têm sobrenome
Mas a gente sim
Todas as flores têm nome
Rosa, camélia e jasmim
Flores não têm sobrenome
Mas a gente sim"
O sobrenome seria, então, uma marca da nossa humanidade e da nossa individualidade.
O que determina que ao casar uma mulher abandone ou torne secundário seu sobrenome e assuma o sobrenome do marido? Não é incoerente uma mulher percorrer uma trajetória longa de construção de uma identidade para depois assumir outro sobrenome?
Além da opressão patriarcal, outro motivo que leva a adoção do sobrenome do esposo é a sensação relatada pelas mulheres de maior união do casal e da família; todos com o mesmo sobrenome e a mesma identidade familiar. Obviamente, mesmo quando o motivo é esse, a prática acaba por reproduzir a tese da superioridade do marido em relação à mulher. A tal unidade poderia ser obtida, por exemplo, com todos adotando o sobrenome da esposa, mas não é isso o que ocorre.
De fato, não existe hoje um fundamento que justifique o custo e o transtorno para a mulher, e até para o Estado, resultante da alteração desse nome/sobrenome. Na sociedade patriarcal isso sempre foi a regra. Mas, mudanças estão ocorrendo.
Nessa questão, o Código Civil, de 2002, prevê a equidade nos direitos, ou seja, tanto a mulher, quanto o homem, tem o direito de adicionar, ou não, o sobrenome do outro. Desde esse ano, o número de mulheres que adotam o sobrenome do marido no casamento caiu 24%. A escolha pela manutenção dos nomes originais de família vem crescendo bastante.
A preservação de suas identidades individuais e familiares de origem é, com certeza, o motivo principal de um percentual cada vez maior de mulheres preferirem não adotar o sobrenome dos maridos.
Tem crescido, ainda que timidamente, o número de homens que adotam o sobrenome da esposa. Mas, tal atitude tem sido percebida de forma romantizada. Para eles, esse direito é uma escolha, e não uma imposição.
Caso as informações sobre o direito conquistado em 2002 fossem mais divulgadas, talvez aumentasse o número de mulheres que escolhem manter seus sobrenomes no ato do casamento. Obviamente, a erradicação do patriarcalismo também afetaria essa estatística. Entretanto, as mulheres ainda são tratadas, predominantemente, como propriedade dos homens e as altas taxas de violência doméstica contra as mulheres são reveladoras dessa condição.
Apesar desse cenário, lembro que há casos em que preservar o sobrenome do marido, após a separação, pode ser motivado não pela opressão mas por motivos especificamente ligados à profissão ou à imagem pública da pessoa.
Um caso célebre no qual ambos adotaram o sobrenome do outro foi o ocorrido no casamento entre John Lennon e Yoko Ono, em 1969. John adicionou o sobrenome de Yoko Ono, e passou a chamar-se John Winston Ono Lennon e, sua esposa, passou a chamar-se Yoko Ono Lennon. Na época, o ex-beatle teria dito: "Yoko mudou o nome dela por mim, então eu mudei o meu por ela".
Apesar dos avanços na questão da igualdade de gênero, adotar o sobrenome do marido segue ainda sendo uma "norma cultural". É preciso elaborar políticas públicas para superar essa situação. Não basta a lei tornando facultativa a adoção do sobrenome.
Na verdade, é preciso mudar a legislação para que não seja mais permitida a alteração do nome/sobrenome pelo casamento. Enquanto isso não ocorre, o importante para as mulheres é a conquista da liberdade de escolha. Se for uma escolha livre, e não por opressão, elas podem optar seguir com o sobrenome do esposo.
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