FRANCISCO
- Célio Juvenal Costa
- há 8 horas
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Por Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu no último dia 21 de abril de 2025. Pessoas do mundo inteiro, católicos especialmente, mas também de outras religiões e mesmo sem religião, se voltam para Roma compadecidos e entristecidos com a notícia de que não teremos mais a voz humilde, caridosa, firme e amorosa, de um líder carismático que ousou tomar medidas para que a instituição que ele representava, a Igreja Católica, se reforme e procure se adequar aos novos tempos.

Eu escolhi esta foto para ilustrar a coluna de hoje porque considero que o papado é uma função solitária. Mesmo cercado de muitas pessoas próximas, mesmo na condição de chefe de um Estado e, portanto, com muitos assessores, mesmo como líder de uma instituição com quase um bilhão e meio de seguidores no mundo, a responsabilidade é tão grande, o peso de suas reflexões e atitudes é tão imenso que, no fundo, o papa só tem a ele mesmo como seu principal sustentáculo. O papado de Francisco talvez revele esta faceta com mais cores ainda, pois ele foi o primeiro papa latino-americano, o primeiro papa jesuíta, o primeiro a escolher o nome de Francisco, deixando claro que sua tarefa era reformar a Igreja, o primeiro a rejeitar o quarto suntuoso no palácio episcopal e a optar por um apartamento simples na Casa Dona Marta, o primeiro a falar abertamente que a Igreja precisa acolher pessoas divorciadas, mães solteiras e gays, o primeiro a falar que a religião deve se ocupar com os problemas ambientais, o primeiro a nomear uma mulher para um alto cargo no Vaticano, enfim, por ser pioneiro em muitas coisas teve que enfrentar também muita resistência. Penso também que todas as suas decisões, a determinação em tomá-las, as resistências advindas, contribuíram para que seus problemas de saúde se agravassem.
Devo deixar claro para meus leitores que as linhas que se seguem sobre o Papa Francisco é de alguém que o analisa para além da religião católica. E, também, não é intenção fazer uma resenha de sua vida como sumo pontífice, pois isso com certeza é tema para um belo livro. Bem, é inegável que o papado dele trouxe novidades para a estrutura da Igreja com repercussões na própria eclesiologia, ou seja, na forma dela agir no mundo, novidades que apontaram uma direção para uma instituição mais acolhedora, menos ritualista, menos conivente com os abusos sexuais cometidos pelo clero, menos dogmática, mais encarnada na realidade, mais agente de transformação do que de sujeição. A teologia defendida por Francisco não é, como muitos pensam, a Teologia da Libertação, mas dela não se distancia tanto, ao defender que a compreensão do Deus encarnado deve fazer a Igreja se voltar para os pobres, para os marginalizados, deve acolher os necessitados de apoio espiritual, deve dialogar com outras religiões e não se colocar com a única verdadeira. Por isso que a Igreja, com Francisco, se volveu mais à esquerda se pensarmos em ideologias sociais e políticas. E, por isso mesmo, que pessoas e movimentos internos à Igreja mais alinhados à uma visão tradicional, conservadora, ritualista, se colocaram como críticos do seu papado, e se identificaram com as alas à direita. E, justamente com essa divisão interna da Igreja, pessoas de fora dela passaram ou a se identificar com Francisco, por partilharem de concepções do leque do centro à esquerda, ou mesmo, liberais em termos de costume, ou a criticá-lo por serem pessoas de direita ou de extrema-direita. Assim, o pontificado de Francisco teve repercussões para além dos limites institucionais da Igreja, e, também, por isso mesmo, sua voz se tornou mais representativa ainda quando se referia às guerras, às questões sociais como a dos imigrantes e às questões ambientais.
Francisco não foi um líder apenas para os católicos, ele o foi para o mundo. Uma voz que por vezes parecia pregar no deserto, como suas falas que condenavam as guerras, particularmente da Ucrânia e da Faixa de Gaza, ou quando falou duramente contra a xenofobia em relação aos refugiados e imigrantes na Europa e nos Estados Unidos. Falar de amor, de perdão, de caridade e de acolhida aos que sofrem num mundo que “constrói muros ao invés de pontes” (referência a uma de suas falas em relação ao primeiro governo Trump, que tinha como proposta construir um muro em toda a divisa com o México) realmente se parece com pregar para areia, pedras e animais. Mas, por isso mesmo é que sua morte deve ser muito sentida, pois calou-se uma voz que denunciava o apego ao poder e ao consumismo desenfreado, que denunciava o endeusamento do dinheiro, o ritualismo excludente das religiões, especialmente de movimentos católicos, que denunciava os preconceitos e a condenação aos diferentes; aliás, são exatamente essas pessoas que não devem estar sentindo a morte de Francisco. Conheço católicos, supostamente praticantes, alguns que são próximos a mim, que o viviam criticando, taxando-o de papa comunista; creio mesmo que essas pessoas devem estar até contentes, pois não terão o desprazer de volta e meia ver um papa condenar suas ideias e práticas.
Como interessadas e defensoras de um mundo menos excludente, onde os valores democráticos superem as ideologias fascistas, pessoas, entre as quais me incluo, ficarão torcendo nos próximos dias para que o novo comandante da Igreja, o novo cardeal que sentará na cadeira de São Pedro, tenha a coragem de continuar a tarefa de aproximar mais a Igreja das pessoas simples e necessitadas e que tenha a coragem de ser uma voz mundialmente ouvida em favor daqueles que a sociedade quer excluir de sua cidadania plena, mesmo que essa seja a voz de alguém que vai, por vezes, pregar no árido deserto.
Termino esta breve reflexão sobre o Papa Francisco ressaltando sua simpatia, seus sorrisos vastos, seu bom-humor (quem irá se esquecer das suas brincadeiras com os brasileiros, como “brasileiro não tem salvação, muita cachaça e pouca oração”?) e, especialmente, ressaltando sua humildade com uma frase que, creio, resume o que foi o seu modo de ser e que poderia nos inspirar ainda mais: “O único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é quando queremos ajudá-la a levantar-se”.
Obrigado por tudo Francisco!!
PS: depois dar a forma final a este texto ouvi um repórter argentino dizendo que Mario Jorge Bergoglio era um leitor voraz de Dostoiévski. Para além de todas as suas qualidades, algumas ressaltadas aqui, saber que o grande autor russo do século XIX era uma de suas fontes literárias só fez aumentar minha admiração pelo nosso Francisco!!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
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