Responsáveis pela logística da operação na Terra Indígena Yanomami, as Forças Armadas pediram R$ 993 mil por dia para manter o apoio às ações de desintrusão ao garimpo ilegal. Mesmo assim, os militares teriam capacidade de entregar menos da metade das cestas básicas necessárias.
O valor foi calculado pelo Ministério da Defesa em nota técnica obtida pela Folha de S.Paulo. A demanda foi enviada para a Casa Civil. Recentemente, o governo anunciou mais R$ 1,2 bilhão para a missão.
O documento, de setembro de 2023, diz que a verba para assistência humanitária e expulsão de garimpeiros teria acabado e que seria necessário um novo aporte financeiro. O pedido foi feito cerca de um mês após o governo liberar R$ 275 milhões em créditos extraordinários destinados a essa finalidade.
“Com a extinção dos recursos orçamentários, a manutenção das operações nos níveis citados implica a necessidade de aporte de valores na dimensão mencionada”, diz o documento.
Questionado sobre o custo e a necessidade verba pouco tempo após a liberação de crédito extraordinário, a Defesa disse que o montante já havia sido gasto, usado para distribuir 766 toneladas de alimentos, 36,6 mil cestas básicas, 3.029 atendimentos médicos, detenção de 165 suspeitos e horas voo suficientes para dar 40 voltas na terra.
“De acordo com a referida nota técnica, o Ministério da Defesa apontou a necessidade de complemento de recursos financeiros para a manutenção das operações na TI Yanomami ao constatar a insuficiência orçamentária”, afirmou a pasta.
“No momento, os Ministérios da Defesa e da Justiça estão com a operação em campo, seguindo as orientações do presidente [Lula], para o combate ao garimpo ilegal”, disse por sua vez a Casa Civil.
A reportagem também questionou o Ministério do Planejamento e a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), mas não obteve resposta.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a omissão e até suspeita de boicote das Forças Armadas na atuação no território Yanomami é vista como um fator determinante para a explosão do garimpo ilegal na região durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A insatisfação com a atuação militar persiste durante a gestão Lula. Segundo apontou a colunista Mônica Bergamo, relatos dão conta de que as Forças, dentre outras coisas, se recusaram a levar autoridades para sobrevoar a terra indígena.
Relatórios da Funai do governo Bolsonaro registraram que integrantes recebiam propina de garimpeiros e vazavam informações sobre operações de repressão ao crime.
A expulsão do garimpo da terra indígena Yanomami foi determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ainda durante o governo Bolsonaro que não cumpriu com a ordem.
Em janeiro de 2023, o governo Lula anunciou uma megaoperação para a desintrusão, após constatar surto de malária e alta incidência de desnutrição dentre os yanomami, em razão da atuação do garimpo ilegal na região.
À época, a Folha de S.Paulo mostrou que vistoria da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) identificou que a gestão bolsonarista havia deixado as instalações sanitárias com remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de constatar casos de desvio de comida e medicamentos.
Um ano depois, os yanomami ainda convivem com a desnutrição, a malária persiste, o garimpo não foi totalmente expulso e instalações de saúde seguem sobrecarregadas.
Parte disso, apontam relatos e documentos, em razão da falta de atuação das Forças Armadas. Relatórios da operação mostram que 34 mil cestas básicas, que deveriam ser entregues aos indígenas, acabaram encalhadas pela falta de atuação das Forças Armadas.
É neste contexto que o Ministério da Defesa pede mais verba para manter a atuação. O cálculo se baseia nos gastos entre junho e setembro de 2023 os primeiros meses após o governo federal ampliar os poderes de atuação dos militares, antes restritos à ajuda humanitária e logística, para operações contra garimpo.
Segundo o documento, nesse período “foram realizadas despesas com combustíveis, lubrificantes, manutenção de meios aéreos, material bélico, material de manutenção de viaturas terrestres e fluviais, material de segurança pessoal e abordagem, material de comunicação e sinalização, reforço de alimentação e manutenção de meios outros diversos”.
Para isso, o custo diário foi R$ 993 mil. Mesmo com esse montante, “verifica-se como limite para o transporte de cestas de alimentos, pelos meios militares envolvidos, a quantidade média de até 3.586 unidades/mês”.
Isso é menos da metade das 9.000 que a Funai estimou como necessário para atendimento ao quadro de desnutrição dos indígenas.
O Ministério da Defesa e a Casa Civil dizem que as Forças Armadas irão distribuir 14 mil cestas nos três primeiros meses do ano uma média de pouco mais de 150 por dia.
Durante o ano de 2023, a Defesa recebeu dois aportes de crédito extraordinário para realizar a operação no território Yanomami, que somam R$ 275 milhões.
O último deles aconteceu em agosto. A nota técnica da Defesa, que diz que a verba para a operação havia acabado e que pede um novo aporte com base no cálculo de quase R$ 1 milhão por dia, é de setembro.
“Não obstante, diante da realidade da operação vigente, o esforço empreendido para a distribuição das cestas básicas mostra-se indissociável das demais atividades desempenhadas, como as operações de desintrusão ao garimpo”, explica o documento.
O documento ainda cita complexidades logísticas do território para justificar a demanda financeira.“Ademais, é importante mencionar que a atuação das Forças Armadas nesse tipo de apoio em Terras Indígenas é emergencial e temporária, considerando-se a necessidade dos Ministérios dedicados à questão, dentro de suas competências, de implementar, efetivamente, soluções duradouras e sustentáveis”, completa a nota técnica.
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