"Um telefonema anônimo poderia ter salvado minha vida. Nem um, nem um."
Essa foi uma das primeiras declarações de Giséle P. em tribunal, uma mulher que foi vítima de dezenas de estupros organizados pelo próprio marido enquanto ela estava inconsciente.
Ela foi estuprada por 72 homens, embora a polícia tenha identificado até agora 51 suspeitos do crime. Todos esses homens foram convidados pelo marido dela, por meio de grupos de conversas online, para abusarem sexualmente da mulher sem o seu consentimento. Esses atos eram inclusive gravados em vídeo. Os homens eram obrigados a seguir regras rigorosas para garantir que ela não se desse conta de nada. Enquanto isso, ela estava sob o efeito de drogas, administradas por ele momentos antes.
“Esses homens tomaram a liberdade de entrar na minha casa e seguiram o protocolo imposto. Não me estupraram com uma arma apontada à cabeça. Estupraram-me de forma tranquila”, afirmou a vítima, que falou publicamente sobre o caso pela primeira vez.
A vítima, em declarações à imprensa
© Getty Images/CHRISTOPHE SIMON/AFP
A mulher assistiu a todos os vídeos que o marido gravou. Em tribunal, ela recordou o momento em que a polícia a informou sobre os crimes aos quais foi submetida. "Meu mundo desmoronou", relatou. Ao ver as fotos dela inconsciente, Giséle percebeu que aquelas não eram imagens de sexo consensual, e sim de uma violação brutal. “Não são cenas de sexo, são cenas de estupro. Dois ou três deles estão em cima de mim. Estou inerte. Nunca pratiquei parafilia ou 'swing'. Podem me mostrar todas as provas, mas eu estou inconsciente." Ela negou veementemente qualquer envolvimento com os atos do ex-marido e se perguntou como nenhum desses homens percebeu que algo estava muito errado.
Giséle quer retomar sua vida após o julgamento. "Assumam a responsabilidade pelos seus atos, pelo menos uma vez na vida," declarou, acrescentando que o contrário seria "inaceitável". Embora tenha mantido uma "frente sólida" após o crime, dentro de si ela descreve um "campo de ruínas".
Giséle P. quer retomar a sua vida após o fim do julgamento
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Giséle e Dominique se conheceram em 1971 e se casaram dois anos depois, tendo três filhos. O esquema de abusos planejado por Dominique começou em 2011, quando a família vivia em Paris. Foi nessa época que ele começou a recrutar estranhos pela internet para estuprar sua esposa enquanto ela estava dopada.
Ela contou que o marido chegou a sugerir que praticassem 'swing' (intercâmbio sexual entre casais), mas ela recusou. Mesmo assim, Giséle descreveu o marido como uma "ótima pessoa" e que tinham uma "vida sexual normal". Os filhos também relataram que Dominique não demonstrava sinais de comportamento impróprio e que ele cumpria bem o papel de pai.
O esquema foi descoberto em setembro de 2020, quando Dominique foi flagrado filmando por baixo da saia de três mulheres em um shopping. Após esse incidente, a polícia encontrou uma série de vídeos e fotos no computador de Dominique que mostravam Giséle inconsciente e em posição fetal. As imagens documentavam dezenas de estupros na casa do casal, localizada em Mazan, uma vila de 6.000 habitantes, a cerca de 32 quilômetros de Avignon, na Provença.
A investigação também revelou conversas em um site chamado coco.fr, que já foi fechado pela polícia. Nessas conversas, Dominique recrutava estranhos para irem à sua casa e abusarem sexualmente de sua esposa.
Dominique P. admitiu aos investigadores que dopava a esposa com potentes tranquilizantes, como o Temesta, um medicamento para tratar ansiedade, e impunha uma série de regras para que os agressores não acordassem a mulher e não deixassem vestígios.
Entre os suspeitos estão bombeiros, empresários, jornalistas, entre outros. Dominique já confessou que suas ações foram "inaceitáveis", e o julgamento deverá se estender até dezembro.
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