Dentre todas as atividades da Administração Pública, penso que poucas são tão determinantes para o alcance dos resultados a serem obtidos em prol da coletividade senão aquela entregue ao Assessor Jurídico. Para cada passo que o Gestor Público percorre (ou deixa de percorrer), uma de suas principais balizas é o parecer jurídico. Fácil perceber tal grau de importância na medida em que a atividade pública é orientada por um emaranhado de atos normativos (leis, decretos, portarias, etc) e princípios jurídicos que não raro exigem exercícios altamente técnicos para sua correta aplicação.
Não há especialidade técnica empregada pelo Poder Público para consecução de seus fins que não esteja atrelada a normas legais, a exigir do aplicador do Direito, técnicas refinadas de exegese.
O Estado, como instituição organizada, tem como função precípua, a responsabilidade pela organização e pelo controle social, detendo o que Weber, na clássica lição, chamou de “monopólio legítimo do uso da força”. Dentro desse contexto, o Governo, conjunto de instituições que agem em nome do Estado, desenvolve uma série de atividades que visa atender aos objetivos fundamentais insculpidos no art. 3º da Constituição Federal de 1988: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Para a consecução desse fim, a máquina administrativa se serve de uma infinidade de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento humano, que, somando seus esforços, dão andamento às políticas públicas e projetos de Governo. Uma, em especial, merece destaque: a atividade jurídica.
A Função do Assessor Jurídico nas entidades públicas é realizar a mediação entre a vontade democrática e o direito, compreendendo a política pública que se deseja implementar e buscando estabelecer os mecanismos que viabilizem a realização dessa vontade estatal.
O Assessor Jurídico atua nas entidades do Poder Público, fundamentalmente, nas atividades de assessoria e consultoria. Na consultoria e na assessoria, o advogado(a) busca orientar o gestor a tomar decisões sobre atos jurídicos que pretenda empreender. O advogado público, a partir dos dados fáticos levados pelo gestor emite sua resposta à luz do Direito na forma de um parecer, que, em última medida, se reveste em um aconselhamento. O parecer pode ser escrito ou verbal, mas em ambos os casos deverá ser conclusivo, ou seja, o jurista deverá adotar posicionamento objetivo sobre a questão posta, indicando as razões que o conduziram a assumir aquele entendimento.
Portanto, o cargo ou função de assessor jurídico dos órgãos e entidades da Administração Pública é destinado ao exercício da advocacia preventiva (para a atividade postulatória, costuma-se atribuir a nomenclatura de Procurador). Por assim dizer, o profissional sempre será instado a manifestar-se em processos administrativos (consultoria), exarando pareceres sobre atos jurídicos. Poderá também ser convocado a participar de reuniões gerenciais (atividade de assessoramento), para auxiliar na tomada de decisões, opinando acerca dos desdobramentos jurídicos das medidas suscitadas, ou ainda, coordenar e orientar os respectivos departamentos jurídicos (função de direção).
Não há dúvida no sentido de que, ao manifestar-se em resposta à consulta formulada, o Assessor Jurídico não pratica ato decisório. A despeito disso, parte da doutrina e o próprio STF, alguns pareceres poderão ser revestidos de força vinculante. Mas não é sempre que o órgão jurídico é instado a ofertar parecer por ato de vontade da autoridade competente. Em algumas situações previstas em lei, a regularidade do ato que será (ou deverá ser) deflagrado, será dependente de análise jurídica prévia, como a concessão de transporte coletivo. Nessas hipóteses, o encaminhamento ao setor jurídico deixa de ser mera consulta para se tornar parte do devido processo legal.
Ao abrigar a tese segundo a qual, no caso de parecer vinculante, o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer, ou não decidir a doutrina permite duas ilações, aparentemente incongruentes. A primeira seria a de admitir que, em alguma circunstância, o administrador estaria impedido de solicitar novo parecer, mesmo que a manifestação apresentada esteja totalmente desprovida de um mínimo de razoabilidade técnica, ou até mesmo claramente tendenciosa. Claro que isso é inimaginável, pois o administrador permanece guardião do interesse da coletividade e, por isso mesmo, não pode ser forçado a acatar cegamente parecer inconsistente, o que, a despeito disso, não descaracterizaria a natureza vinculante do parecer, nem tampouco o aproximaria do parecer obrigatório. A segunda é a de que o administrador poderia cogitar “não decidir”. Não é aceitável a hipótese na qual, tendo de decidir, o gestor pudesse optar por manter-se inerte. Ora, isso seria uma arbitrariedade.
Não é admissível que o administrador tenha autorização legal para se esquivar do seu dever de decidir, arquivando o processo sem tratar-lhe o mérito, ou, pior, aplicando o chamado “embargo de gaveta”. Se há processo para licitar a concessão de serviço público, por exemplo de transporte coletivo, o administrador é obrigado a acatar parecer jurídico que vise a legalidade do ato, com, por exemplo, ser precedido de processo e licitação. Não há espaço para decidir de forma diversa, pois o interesse público deve prevalecer, sempre.
Diante do exposto, não se pode deixar de admitir a classificação das espécies de pareceres, conforme proposta aceita pelo STF, para reconhecer que, como regra, o parecer jurídico é facultativo, isto é, solicitado por ato de vontade da autoridade competente, integrando a motivação do ato subsequente. Em certos casos, a consulta será obrigatória, por imposição de lei, como processo de licitação para concessão de transporte coletivo urbano. Nesta hipótese, o parecer é um elemento processual, surgindo como uma espécie de freio ao poder discricionário do gestor. Em ambas as situações, o gestor não está vinculado a decidir na forma da manifestação. Mas deverá motivar sua decisão, não necessariamente com outro parecer. Ele mesmo poderá justificar e motivar a decisão, assumindo a responsabilidade pelo ato. E, finalmente, em casos excepcionais, o parecer assume, sim, a condição de pressuposto de perfeição do ato, tornando-se vinculante para o gestor. Não haverá margem para decidir de forma diversa nem tampouco manter-se inerte, não decidindo.
E, finalizando, no caso do procurador jurídico que se negar a exarar parecer com pressupostos de legalidade atendo as caprichos do administrador, poderá responder administrativa e até judicialmente pelos danos que aquele expediente proporcionou à coletividade ou ao herário público.
Estou à disposição para qualquer dúvida ou esclarecimento, através do e-mail ou whatsapp abaixo.
Exija seus direitos e cumpra os seus deveres.
*José Marcos Baddini é Jornalista, Gestor Público e Pós-Graduado em Direito Público, Constitucional, Administrativo e Tributário. É servidor público do Poder Judiciário da União, atuando na Justiça do Trabalho de Maringá.
E-mail: jm-baddini@hotmail.com. Whatsapp 44 98868-6319.
Comments