Sou professor de Teologia há muito tempo e (logicamente) não tenho todas as respostas às questões que são colocadas em minha frente e, certamente, muitos textos teológicos e expositivos continuam não fazendo sentido para mim ou outros eu não consigo compreender corretamente o que aquele determinado autor quis dizer.
Dito isso, tenho visto que há infelizmente muito analfabetismo funcional em nosso meio. Isso não é novidade para muita gente e constantemente alguns grupos acusam outros de serem analfabetos funcionais. Na minha "bolha" (bíblica e teológica) esse tipo de analfabetismo é nefasto, pois, a interpretação, geralmente, corre longe dos sentidos que deveriam ser aplicados aos textos que se leem. Algumas vezes por pura preguiça de ler outras vezes porque o viés não deixa a pessoa olhar para outro aspecto que não a sua própria crença/doutrina.
Sempre (sempre mesmo!) interpretaremos um texto (seja ele bíblico ou não) tendo como fundo a nossa “metodologia” ou nossos métodos de interpretação – que é a maneira como enxergamos a vida. Um exemplo disso é quando alguém que tem uma “linha teológica” mais fundamentalista vai, necessariamente, enxergar o que corrobora com o seu ponto de vista e rejeitar aquilo que está fora do seu “método interpretativo”.
Uma das formas de detectar o analfabeto funcional é quando não o vemos transformando em conhecimento aquilo que lê, pois, a capacidade de interpretação textual deste é reduzida e, portanto, ele está querendo apenas provar um ponto ou desaprovar uma ideia. É quando popularmente se diz que quer "lacrar".
Insiste-se, por exemplo, que vale o que está escrito (literalidade absoluta - o seu contrário não é uma literalidade relativa, como alguns podem já apressadamente "interpretar", mas uma literalidade contextual). O texto (qualquer que seja ele) é mais do que o que está escrito de forma literal. A intencionalidade do autor é muito importante para a sua compreensão. O que ele quis dizer, como ele disse o que escreveu, quando ele fez isso, respondendo a quais questões, utilizando que exemplos e por aí vai. Logicamente, aqui entra também o leitor. Este não está isento de suas "ideias" ou "ideologias". Nunca iremos à um texto desprovidos de "óculos" que nos fazem enxergar as palavras. Portanto, interpretação também tem a ver com quem lê e não apenas com quem escreve ou mesmo com o contexto em que está inserido tais textos.
As palavras soltas não dirão nada sozinhas, mas em conjunto com as informações contidas no texto, no contexto, nos intertextos e no conhecimento histórico, social, antropológico, teológico e bíblico (para usar da minha "bolha") em que aquele texto em si foi construído, aí sim ele dirá alguma coisa para o intérprete que possa ser aproveitada e tudo isso passa, necessariamente, por nossa visão, por nossa maneira de entender as palavras e os conceitos.
Sou professor de Grego e Exegese do Novo Testamento e, portanto, gosto do valor semântico das palavras e expressões, do significado do grego na construção dos textos e na concepção teológica e social dos que escreveram os textos bíblicos, porém, olhar para um texto apenas munido de algumas ferramentas que nos ajudam a ler as palavras e saber o primeiro significado delas não nos dará tudo o que podemos compreender dos textos.
Há muito mais. Há o dito (escrito ou falado) e o não dito (o que foi deixado de dizer, o que foi omitido ou o que foi trocado de lugar) que é tão importante quanto como o que está explícito. Isso (o não dito) não é um demérito de quem escreve, mas uma escolha, seja ela consciente ou inconsciente.
Posso dizer "não" (quando eu escrevo ou falo) com diversas entonações diferentes, deixando entender coisas muitas vezes antagônicas. Posso fazer notar uma palavra-chave no meu texto para tentar explicar uma ideia que está na minha mente e assim, a ideia passa a ser mais importante que as palavras que eu uso para escrever, dizer ou não dizer. Posso até mesmo escolher mal as palavras para expressar minhas ideias e posso estar errado com várias afirmações. Posso (quando eu escrevo e falo) inclusive estar errado nas minhas proposições. Acontece. Sou humano e sou falho.
Analisar um texto (escrito ou falado) não requer apenas conhecimento gramatical ou semântico ou lexicográfico, mas exige de nós, leitores, um conhecimento espacial, situando o texto de maneira a enxergar não só as palavras de maneira literal, mas as intencionalidades do que se escreveu e principalmente as ideias por trás de cada palavra, expressão ou a falta delas que foram utilizadas na construção de tal texto. Isso é algo difícil? Sim, claramente. É apenas para os letrados/doutores e 'experts'? Não. Qualquer um pode e deve utilizar as "técnicas" da interpretação de textos para ler, por exemplo, um 'post' qualquer sobre alguma coisa em uma rede social.
Isso requer não somente hábito de leitura, mas sobretudo abertura para entrar na raiz das construções textuais, analisando textos, contextos, intertextos e ideias desse autor que desejamos compreender. É preciso aqui, sempre, ter boa vontade para tentar compreender o que o outro pensa sem julgamentos instantâneos que nos remetem para algo que, logicamente, não foi a intenção do autor.
Quantas vezes vejo um texto sendo analisado pelo que está escrito sem que se leve em consideração o que o autor pensa no conjunto de sua obra. Claro que podemos ter fases diferentes - o que eu escrevi (por exemplo) na década de 80 é diferente do que estou escrevendo agora, por diversos fatores que incluem, certamente, uma evolução de pensamento ou mesmo mudança de posições, mas se não souber o que o autor pensa, se não acompanhar o que ele escreve, se não ler textos completos, certamente não se conseguirá interpretar os textos de maneira íntegra e certamente afirmará que se disse coisas que não estavam nos pensamentos quando se escreveu.
Assim é com qualquer autor. A pressa sempre será inimiga da interpretação e revelará o analfabetismo funcional de quem propõe a interpretar qualquer frase/texto de outro.
Geralmente, quando interpretamos, o que fazemos por último é a interpretação do texto em si - primeiro devemos interpretar o autor e suas ideias, para então saber o que disse, porque disse, como disse e o que ele quis demonstrar com aquelas palavras elencadas em determinada construção textual.
Isso não quer dizer concordar com o autor, pois, podemos compreender e discordar dele. Também acontece.
Convido você a compreender mais sobre o tema da interpretação de textos. Veja o link abaixo:
Pr. Gedeon Lidório
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br
Site: www.teoeduca.com.br
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