Ando com bloqueio criativo para escrever e pintar, mas a água bateu no meu traseiro. Como tenho que entregar um texto por semana para publicar no Bisbilhoteiro, desbundei e resolvi escrever essas mal traçadas linhas sobre a bunda.
Isso mesmo, bunda, popô, bumbum, nádegas… Esse pedaço do nosso corpo que eu, quando era mais rechonchuda e tinha menos idade, achava que tinha. Quilos a menos, idade a mais e o dever de encarar a realidade me levou a concluir que nunca tive uma bunda decente. Minha bunda sempre foi tímida ou bunda pouca, como preferirem.
Parece que há certo consenso de que a bunda é protagonista na vida das pessoas. E não tô me referindo somente à conotação erótica que objetifica a mulher. Nem quero falar da bunda da vez. Anita ou Paolla de Oliveira? Esqueça! Sempre achei que reduzir uma mulher à sua bunda é coisa de bundão. Tô junto com Gabriel, o pensador, que na música “Nádegas a declarar” diz: a bundalização é resultado da cultura machista.
Escrevo a respeito de outras bundas e sobre como elas atravessam nossas vidas, de cabo a rabo. Olha a bunda aí gente!
Ao nascer, a primeira coisa que recebi foi um tapinha na bunda. Mal saí dessa fase, passei a receber outro tipo de tapa, o punitivo. Pelo menos era assim para quem nasceu na década de 60. Nossas artes eram “corrigidas” com tapas e varinhas aplicadas no popô. Felizmente esse costume está desaparecendo.
Na infância e na adolescência, mamãe dizia “senta essa bunda na cadeira e estuda filha”. Essa ordem eu obedeci e segui tão à risca que, além do título de doutora, ganhei hérnias na coluna e um ciático que adora gritar, vez ou outra. Como não nasci com a bunda virada pra lua, tive que ralar muita bunda no chão, estudando e trabalhando
Nós mulheres infelizmente encontramos muitos canalhas que pensam que são proprietários dos nossos corpos e que passam a mão nas nossas bundas e tentam outras coisas, sem a nossa permissão.
Minha pior vez ocorreu lá pelos 16 anos. Eu estava num ponto de ônibus, era noite, chovia e eu empunhava uma sombrinha. O criminoso veio na minha direção, de bicicleta, e passou a mão na minha bunda. Tentou me derrubar e fazer “outras coisas”. Não sei onde encontrei forças para reagir e lutar. Talvez eu tenha percebido que ele era um homem pequeno (em todos os sentidos). Ou minhas ancestrais femininas incorporaram no meu corpo e acrescentaram força ao meu pouco vigor físico. Não sei. Só escapei do estupro porque na luta corporal consegui cravar no rosto do sujeito uma haste da sombrinha que quebrou. Corri muito de volta para casa. Saí desse maldito episódio muito machucada, fisicamente e emocionalmente.
Mas nossa bunda não vive só coisas horrorosas né!
Na juventude, desbundei! E eu não estava sozinha. Os Mutantes, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Macalé, Jorge Mautner, Raul Seixas e Secos & Molhados e tantos outros, desbundaram nas músicas e nos comportamentos.
Eu estava atenta, em 1986, quando membros do futuro Casseta & Planeta fizeram uma camiseta com a bandeira do Brasil em que no lugar do indefectível "ordem e progresso" lia-se: "ê, povinho bunda", numa referência à falta de engajamento político que caracteriza boa parte da população.
Mais atenta, ainda, quando em 1999, Ziraldo e outros humoristas, do antológico O Pasquim, batizaram um periódico com o nome de Bundas. O objetivo era satirizar a famigerada revista Caras. Usavam slogans muito criativos, como "quem mostra a bunda na Caras não mostra a cara na Bundas", "Bundas, a revista que não tem vergonha de mostrar a cara".
Cheguei aos 61 anos vendo muitas bundas e bundões. Mas, confesso que fiquei impactada quando, ao entrar numa loja, me deparei com uma arara cheia de bundas penduradas. Bundas postiças para serem colocadas debaixo da calcinha ou da cueca. Bundas P, M, G…
Bundas artificiais, com implante de silicone ou resultado de ralação bruta na academia, o fato é que tem muita gente insatisfeita com a bunda original, de fábrica.
Não contabilizei com exatidão, mas com certeza levei mais chute na bunda do que dei. Conheci muitos homens bundões. Comportam-se como machistas e narcisistas. Rejeitam e se opõem à igualdade de direitos e deveres entre os gêneros. São opressores e se acreditam superiores às mulheres. Não sabem compartilhar o poder nas relações afetivas. Não dialogam, não escutam as mulheres, não consideram importantes seus pensamentos e sentimentos. Não percebem ou não aceitam que as mulheres querem praticar relações mais igualitárias. Infelizmente, existe uma epidemia desse tipo de “homens bundas moles”.
E nem vou tomar cuidado com o que falo/escrevo, embora eu saiba que a língua é o chicote da bunda.
Chega! Tô com a bunda doendo de ficar sentada escrevendo essa crônica. Tomara que meu bloqueio criativo acabe logo. Caso contrário, perderei leitores.
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