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Deputados "haridchans" ou semideuses?

Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.


Quando de fala em divisão e privilégios sociais, a Índia é sempre a principal referência com seu sistema de castas, que oscilam desde os haridchans até os sudras, aqueles descendentes da cabeça e estes da poeira dos pés de Brahma. Todavia, a história do Brasil talvez tenha maior relação com os dalits, aqueles que são expulsos de sua casta, por alguma infração e são punidos com trabalhos desprezíveis.



Sim, porque boa parte dos portugueses que aqui chegaram, ainda no século XVI, eram degredados na Corte e deportados para a colônia, ainda insalubre.


Todavia, uma análise mais depurada da nossa realidade contemporânea revelará muito mais pontos em comuns com a casta superior indiana do que com os rejeitados dalits. Se na nossa história, na falta de nobres de linhagem, no século XVIII era sempre possível comprar títulos de nobreza e privilégios, a peso de ouro, em negociações disponíveis apenas para os abastados, atualmente a aquisição de privilégios se faz segundo duas alternativas distintas; concurso para o Judiciário ou eleições para o Legislativo.


Sei que as formas de acesso são melindrosas, mas podem abrir as portas do paraíso na terra. No Judiciário, se preparem para salários astronômicos daqueles que não dá bem tempo de gastar. A quase totalidade de seus membros, recebe valores muito acima do que determina a Constituição que lhes caberia proteger. Criativos, estão sempre prontos para inventar um jeito novo de burlar a lei com penduricalhos que lhes joga a média salarial no teto, protegidos por um corporativismo que consegue, por exemplo, manter no fundo da gaveta um projeto, a propósito do excelente ex-deputado Rubens Bueno, que pune os supersalários.


Bem, parece que o problema está no legislativo? É possível porque, além de serem os responsáveis por criar leis, também tem o poder fiscal, mas, talvez até você concorde, são campeões na arte de avançar nos recursos dos impostos, sob as mais diversas artimanhas. O salário nem chega a ser constrangedor, ainda que alto em uma nação desigual, é coerente com a importância do cargo, mas, este é o problema, os benefícios são afrontosos no Brasil de mais de 25% da população abaixo da linha de pobreza.


Verba indenizatória (o famoso cotão), auxílio-moradia, previdência especial, foro privilegiado, plano de saúde, verba de gabinete, somados aos salários, elevam o custo de um parlamentar para assustadores 25 milhões anuais. E ainda assim, boa parte do Congresso se especializou em artimanhas para garantir privilégios.


Como se munidos de facas, não hesitam em apontá-las ao presidente de plantão, com ameaça velada da possibilidade de impeachment, se apropriam, cada vez com mais intensidade da parcela livre do orçamento que se desgarram das definições técnicas, das prioridades de cada área, e exigem recursos e emendas para seus parceiros da base. Sete anões, mensalão, petrolão, emendas especiais ou emendas pix, sempre tem uma patifaria em ação para cancelar prioridade técnica e optar por chantagem política, comprometendo ainda mais a limitadíssima capacidade de investimento do estado.


Não somos capazes de ações para reduzir o custo Brasil, mas garantimos segurança para os espertalhões do Congresso buscarem suas reeleições. Ainda mais cruel quando se verifica nosso pacto federativo, que deixa municípios pré-falimentares de joelhos e pires na mão, exige que se idolatre os políticos que lhes trazem migalhas. Ainda mais notório que o assistencialismo na base municipal, a ação parlamentar é julgada pela capacidade de “tráfico de influência”, legal mais completamente incoerente com a realidade das finanças nacionais.


O herói poderia ser aquele que nos defende, talvez o que produza boas leis ou o especialista em fiscalizar nossos recursos, mas são desprezados pela urgência do socorro, da promessa inviável, do recurso indispensável para ações básicas no município. Forma-se um ciclo deste desvirtuamento de função porque serão eles os mais votados nas urnas, os heróis idolatrados na base, perpetuados no cargo, ensinando aos que chegam que este é o roteiro do êxito. Não tente cumprir suas funções porque são irrelevantes, basta que entrem no jogo, outrora batizado de “é dando que se recebe”, uma versão nefasta da canção de São Francisco.


Percebo que meu espaço e sua paciência se esgotam e, por isso, peço atenção para apenas mais um privilégio da nossa nobre casta política. Estão com a imunidade parlamentar alargada, autorizados por lei e pelos costumes a todo tipo de crime eleitoral que, após um hiato de tensão mínima, serão agraciados com a anistia para qualquer ação, ainda que signifique rir da cara do contribuinte que vê o suor de seus impostos serem desperdiçados pelo desvirtuamento dos fundões.


Não cumpriram cotas legais de transferência de recursos? Perdoados.

Lançaram candidatas laranjas? Perdoados.

Teve nota ou despesa fantasma nas prestações de conta? Perdoados.

Multa tributária? Perdoada.


“Detalhezinho” para aumentar nossa revolta; apenas em multas a anistia pode atingir 23 bilhões!!!!!


Vamos condená-los, trancafiá-los na cadeia por tudo isto? Não dá, falta espaço porque somos cúmplices e devemos assumir nossa culpas. Votamos nestes caras! Permitimos a implantação e manutenção desta rede de privilégios e, sem coragem para o combate, nos limitamos a idiotice da paixão eleitoral que nos coloca, como babacas das redes, a idolatrar ídolos de pés de barro e demonizar seus opostos, sob quaisquer circunstâncias.


Beneficiados pela nossa inércia, formam uma casta contemporânea de haridchans políticos ou semideuses, com autoridade conferida pelas urnas. Superam os deuses da mitologia grega, frutos da união de Urano e Gaia porque muito mais eficientes, dependem apenas de seus recursos e da nossa ignorância política.


Resisto. Grito e sei que não estou só. Nossa indignação precisa se transformar em ação para reestabelecer ética na ação parlamentar. Sem armas, sem guerrilhas, me sinto encorajado para entrar no único campo de batalha admissível e, de lá, nos colégios eleitorais, dar o meu tiro na patifaria, apertando teclas que nos conduzam à decência.

                                                           

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