Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.
Ninguém convocou nova manifestação a favor dos militares, ninguém vai invadir instituições públicas para depredá-las, não há nova minuta de golpe nem mesmo as forças armadas estão conspirando contra o regime ou as urnas, mas, ainda assim, agora é a qualidade da nossa democracia que está sob intenso ataque.
Reafirmando para dar a ênfase necessária; a baixa qualidade está comprometendo a nossa democracia!
Acredito que, ao abrir uma lista de evidências, aqueles que me leem, com facilidade, incluiriam inúmeros outros itens, mas vamos, rapidamente repassar alguns fatos recentes.
No último 7 de setembro, um pastor convocou uma manifestação contra um ministro do STF, no principal fato do mês até agora. Basta ter o tico e teco conectados, para que qualquer cidadão perceba que o evento somava uma série de outras intenções, sendo a principal traçar um caminho que, à frente, conduza à liberação de Bolsonaro para disputar as próximas eleições, aspiração justa ainda que inexequível. De novo, as centenas de cidadãos presos seguem sendo inocentes úteis usados à exaustão pelos estrategistas da política.
Na principal eleição deste ano, assistimos um show de horrores, comandado pelo midiático, eventualmente político Marçal, que consegue transformar cenários de debate em picadeiro de circo e ainda assim conquista corações Brasil à fora, de gente que precisa acreditar em alguma coisa e que está sempre procurando por alguém que assuma o papel de salvador da pátria. Para ser objetivo; sinto vergonha alheia ao assistir aquelas cenas, temo pela nossa democracia, e sei que podem efetivamente destruir as instituições públicas porque o sucesso do modelo ensaiado pode ensejar aventuras ainda mais ousadas.
Milhões de likes, estimulam filhotes de pablo por todo o Brasil, e as eleições municipais mudam o enredo tradicional de debates das causas locais, se transformando em infindáveis discussões sobre a pauta de costumes e outros temas nacionais, como se capazes de oferecer como gestor municipal algum tipo de respostas para estas questões. Em ajustes pontuais, “ladrão de banco” ou “cheirador de cocaína” são substituídos por adjetivações locais porque sangue rende mais votos que lágrimas, na atual realidade política e, por isso, estimular o ódio ou a raiva no oponente é muito mais efetivo que despertar paixões por ideias ou planos. O lado B, que sempre existiu, saiu dos porões e ocupa o centro das decisões de quase todas as campanhas pelo país. Liberou geral.
A campanha para o legislativo, recheada de ótimos candidatos, sofre com a ridicularização via candidaturas folclóricas e patéticas, ao lado de um número ainda não estimável de representantes do crime e das milícias que agora renuncia a intermediários e busca eleger seus representantes, largando a primeira etapa de um projeto que pretende espaços em Brasília e nas Assembleias, talvez estimulados pela vergonhosa autoanistia que nossos deputados se concederam. Se podem eliminar qualquer transgressão as regras eleitorais, por que não os imaginar capazes de avançar para o código penal?
Sinto até constrangimento de condenar candidatos a vereador com pautas e projetos nacionais, como se as urnas lhes transformassem em vereadores federais, porque um rápido olhar nos revela mais de uma centena de nossos representantes que tornaram deputados municipais, assumindo, sem subterfúgios, o papel de despachantes municipais, usando o mandato, e seus votos em qualquer pauta, apenas para conferir vantagens para suas bases eleitorais, atividade lícita que, todavia, não pode comprometer a ação fiscal e suas responsabilidades na discussão das pautas nacionais.
Realmente, se você aprova a prioridade para estas ações, seja objetivo; não escolha um candidato competente, preparado para a função, mas priorize um cara de pau, ótimo em negociatas e chantagens porque, certamente, resultarão em mais verbas para as bases. O êxito destes personagens tem uma métrica peculiar; o crescente aumento das emendas parlamentares, quase atingindo um em cada quatro reais realmente disponíveis para investimento em verbas eleitorais, até outro dia protegidas por sigilo.
Temo pela deterioração da representação política. Abomino aqueles que generalizam na célebre frase “todos são ladrões”, porque podem até corresponder a suas escolhas nas urnas, mas não se sustentam quando se observa no Congresso e nas Assembleias, centenas de homes dignos, de todas as vertentes ideológicas, exercendo com decência e ética seus mandatos, constrangidos pela maioria oportunistas que usam o mandato para tráfico de influência, nepotismo e negociatas, sustentadas pela força eleitoral concedida pelos mesmos cidadãos que se arvoram o direito de “lacrar” contra a política.
Em paralelo, as redes sociais, grande conquista que abriu o debate politico para todos, segue sem controle permitindo que qualquer imbecil, contaminado pelas fakes e pelos exemplos, se conceda o direito da ofensa gratuita, da agressão, porque big techs são terra de ninguém e o que importa é massacrar quem pensa diferente, porque os deuses da estratégia lhes ensinaram que o céu é homogêneo, limitado a uma faixa mínima da régua ideológica, e o inferno espaço reservado para os que pensam diferente.
Ainda em tempo, a sociedade precisa perceber que sua omissão, ainda mais evidente na disputa municipal, tem um preço muito caro, a ser pago no curto prazo, pela deterioração do nosso modelo político, onde, cada vez mais, milionários e bandidos investem milhões para garantir imunidades, favores, cargos e poder para proteger suas catervas, como se o congresso e as assembleias pudessem ser transformados em “arizonas políticas”, onde os bandidos se encontram.
Serão necessárias ações efetivas para identificar gente digna, bem-intencionada porque eles também estão na política, porque tem muita gente boa exercendo mandato, porque milhares de cidadãos de bem buscam espaço nas câmaras municipais, desestimulados por uma população que prefere os tiriricas, pablos e afins, como já escolheu o cacareco, consagrado por cem mil votos de paulistanos e que agora tem uma fauna muito mais abrangente para desperdiçar seus votos.
Nossa democracia está em chamas. Apenas a ação silenciosa de milhões de eleitores conscientes pode deter o fogo, apagar as brasas que corroem nossos impostos. Precisamos de bombeiros com urgência.
Só o voto reduz a tragédia, como a água milagrosa que combate o fogo, pode reverter a tragédia.
Nossa democracia em chamas pede socorro.
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