O governo de Javier Milei ordenou à delegação técnica argentina que abandone a COP29, a cúpula de clima da ONU que ocorre no Azerbaijão. O evento, apenas no início, irá até o dia 22.
O anúncio não surpreendeu propriamente os interlocutores da área. Sob Milei, a Casa Rosada tem se distanciado de espaços multilaterais. Também tem buscado imprimir sua marca ideológica nas discussões e ignorar debates relacionados à emergência climática.
A delegação argentina já sabia da instrução nesta terça-feira (12). Durante a noite (tarde em Brasília), pediu uma reunião às pressas com delegações como a do Brasil para avisar que se ausentariam do espaço, segundo a reportagem confirmou com interlocutores.
Buenos Aires estava na coordenação do chamado Grupo Sul, que reunia também Brasil, Uruguai, Paraguai e Equador e que buscava coordenar ações comuns dos países vizinhos diante do tema. Segundo esses mesmos interlocutores, os argentinos não se somarão a resoluções por consenso, nem bloquearão a agenda. Apenas sairão de cena.
As informações foram antecipadas pelos jornais La Nacion e Clarín e confirmadas pela Folha de S.Paulo.
Esse é um tema do qual o governo não fala publicamente. Quando ainda era candidato a deputado, antes de iniciar a sua empreitada presidencial, Milei disse que o aquecimento global não existia e que seria "outra das mentiras do socialismo", afirmação desmentida por uma infinidade de relatórios científicos.
Depois, disse que não negava a mudança do clima, mas que ela se trataria de um ciclo natural, não influenciado pelo ser humano, outro argumento inválido pela ciência. "Tudo isso para criar políticas que reúnam dinheiro para financiar agendas socialistas", seguiu.
Neste quase um ano de governo, foram se reforçando os indicativos de que essa não é uma agenda em seu horizonte. Até há poucas semanas chanceler, a economista Diana Mondino dizia que a Argentina era a opção mais "fácil, barata e inteligente" contra a mudança climática, mas evitava dizer que havia de fato uma emergência no clima.
Ela usou esses argumentos em abril durante entrevista à reportagem quando ainda era uma das principais ministras do governo. Dali em diante, perdeu força até que no final de outubro foi forçada a renunciar e substituída pelo então embaixador argentino nos EUA.
O argumento de Mondino, ecoado por outras figuras do governo, era o de que a opção mais fácil para reduzir as emissões de carbono seriam os pastos argentinos, que fixariam carbono e nitrogêneo. "São opções muito mais baratas do que reflorestar", repetiu mais de uma vez.
Mondino saiu do ministério de Relações Exteriores argentino, que foi completamente reformulado, e um novo fator de peso na geopolítica pode ajudar a endurecer as ações argentinas de escantear a mudança climática: o retorno de Donald Trump à Casa Branca.
O republicano, negacionista, já retirou os EUA do Acordo de Paris e poderia fazê-lo novamente, para mais uma vez desmantelar a política ambiental americana. Não se descarta a hipótese de que Javier Milei, seu entusiasta, seguirá seus passos e fará o mesmo com a Argentina.
O economista ultraliberal pensa que Buenos Aires e Washington agora estão em consonância.
Ao nomear o bilionário Elon Musk, outra figura próxima a Milei, para um novo departamento ligado a eficiência governamental, Trump fez alguns mileístas lembrarem que a atual prioridade da Casa Rosada é desburocratizar a economia e o Estado. Há até um ministério para isso.
Em fóruns multilaterais, no mais já em crise, Milei tem tido postura pouco construtiva. Na OEA, a Organização dos Estados Americanos, e no Mercosul, sua delegação bloqueou debates ligados à Agenda 2030 de sustentabilidade da ONU, que ele elegeu como inimiga.
Ao confirmar participação no G20, a ser realizado no Rio de Janeiro daqui a poucos dias com presidência do Brasil, disse em carta que quer colaborar. Mas já se opôs a debates ligados a igualdade de gênero.
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