Uma ala do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende adiar o anúncio do pacote de corte de gastos para a próxima semana.
O argumento é que as medidas têm potencial para causar um impacto positivo no mercado financeiro, que acabaria diluído no meio da reação ao resultado das eleições presidenciais americanas e também à decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), que deve elevar a taxa básica de juros nesta quarta-feira (6).
Os defensores dessa proposta também afirmam nos bastidores que as medidas são de caráter estruturante e por isso demandam tempo para serem formatadas e anunciadas.
Ministros das áreas sociais, por outro lado, tentam sensibilizar o presidente a não fazer alterações desse porte nas políticas públicas de suas pastas.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, afirmou publicamente sua oposição à desvinculação de benefícios do salário mínimo e reforçou o discurso de que é preciso se concentrar no aperto das regras para evitar que pessoas sem direito recebam o benefício.
Após reunião na Casa Civil sobre o pacote, Lupi defendeu apertar as regras de quem ilegalmente recebe o BPC (Benefício de Prestação Continuada) -concedido a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
"Teve a pandemia de 2020. E essa pandemia teve um afrouxamento de regras até pela necessidade que a população tinha naquele momento de pandemia. Teve com isso um engrandecimento enorme de pessoas que passaram a receber sem um critério mais justo", justificou o ministro.
Segundo ele, é preciso critério para separar o joio do trigo e quem tem direito permaneceria com o seu direito.
Já o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, não quer mudanças nas regras do seguro-desemprego. Ele retornou da reunião do presidente confiante de que com números e dados ele convencerá o Planalto, segundo interlocutores no governo.
Segundo relatos de auxiliares do presidente, Lula quer entregar a proposta de revisão de gastos antes de ir à cúpula G20, no Rio de Janeiro, nos próximos dias 18 e 19. O presidente deve embarcar com alguns dias de antecedência.
A defesa por adiar mais uma vez o anúncio do pacote vai na contramão do que disse o ministro Fernando Haddad (Fazenda) na segunda-feira (4), quando afirmou que o governo estaria pronto para anunciar o pacote nesta semana. Integrantes do governo que trabalham nas medidas dizem que elas não estão finalizadas ainda e que o anúncio ocorrerá quando elas estiverem com total aval do presidente.
O tema foi debatido em reuniões no Palácio do Planalto na segunda e terça-feira.
Primeiro, com o presidente Lula e os ministros das pastas que devem ser atingidas pelo corte - Camilo Santana (Educação), Nísia Trindade (Saúde) e Luiz Marinho (Trabalho).
Na sequência, eles voltaram ao Planalto na terça para se reunir com os ministros da JEO (Junta de Execução Orçamentária), Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão), Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento).
Uma nova reunião também ocorreu com os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social), mas o foco, segundo interlocutores, foi o combate a fraudes. Não houve discussão de desindexação de benefícios no encontro.
O que está na mesa é a tentativa de ajustar o cadastro do Bolsa Família, que ainda contempla um número de famílias unipessoais (com apenas um integrante) acima do que o governo considera correto. Também está em discussão possíveis mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
A ideia é que o BPC seja concedido a pessoas com deficiência apenas em casos de incapacidade total para o trabalho. Hoje, algumas concessões beneficiam pessoas com deficiência em grau leve ou moderado. Ainda há discussão se a medida pode ser feita por portaria ou requer alteração legal.
Há uma expectativa no Ministério de Desenvolvimento Social de que a proposta de definição sobre as mudanças no BPC seja definida nesta quarta-feira.
Por outro lado, uma ala da área econômica e política vê risco da demora do anúncio acabar dando espaço para os ministros das áreas sociais sensibilizarem o presidente da República a não fazer mudanças mais estruturais.
Segundo relatos, ministros procuraram o presidente individualmente para evitar alterações nas suas áreas, após a reunião da segunda-feira no Planalto.
Além disso, o fato de o ministro da Fazenda ter empenhado sua palavra com o anúncio até o final desta semana é visto como um compromisso que animou os investidores e tem evitado uma disparada do dólar como o que ocorreu na sexta-feira. Apesar das incertezas com a eleição nos Estados Unidos, o dólar fechou em nova queda de 0,6% nesta terça-feira, cotado a R$ 5,746.
Apesar das resistências dos ministros da área social e do PT, técnicos do Ministério da Fazenda estão otimistas com a possibilidade de o presidente permitir a inclusão do piso de saúde e educação dentro das regras do arcabouço fiscal, ainda que a mudança seja de forma transitória até a estabilização da relação dívida e PIB (Produto Interno Bruto).
O apoio de lideranças do Congresso à mudança nos pisos, como o do presidente da Câmara, Arthur Lira, em entrevista à Folha, tem reforçado a avaliação de que a medida seria apoiada pelo Congresso. Hoje, a regra de correção dos pisos é atrelada à arrecadação.
Um ponto considerado positivo é que o presidente Lula está verdadeiramente disposto a ouvir tudo, segundo um integrante da área econômica. Há seis meses, o presidente não aceitava nem discutir revisão de gastos na área de saúde e educação e outros benefícios sociais.
A possibilidade de uma PEC transitória foi relatada por senadores que participaram de reunião, na semana passada, do ministro Haddad com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A cúpula da Câmara dos Deputados, por sua vez, espera que o ministro apresente o texto aos parlamentares antes de torná-lo público, como forma de diminuir eventuais resistências.