O tema da crônica de hoje estourou como pipoca na minha mente durante uma conversa com um amigo querido. Tenho esse problema. As ideias aparecem do nada em qualquer situação e fico obcecada enquanto não registro no meu bloco de notas cerebral. Faço isso numa piscadela e meu interlocutor nem percebe.
A conversa era sobre relacionamentos afetivos e meu amigo usou a expressão “enjoar” para se referir à dificuldade de permanecer numa relação. Chamou minha atenção o uso do verbo enjoar nesse contexto, pois geralmente é usado como reação à alimentação.
Daí o enjoo ficou ressoando na minha cabeça. Ainda bem que não foi no estômago. Tentei lembrar de alguma onomatopéia de enjoo. Talvez “argh” ou “hugo”. Meus filhos usam “aff” quando algo os cansou. E, acho, que meu amigo usou o “enjoar” nesse sentido. As pessoas se cansam das pessoas e logo desejam descartá-las.
Perspicaz que é, meu amigo sabe que tem predominado o comportamento de não estabelecer vínculos longos e profundos. A tendência tem sido a de gerar apenas vínculos voláteis, atrelados a interesses momentâneos.
Na verdade, na crônica Aqui, agora, já me referi ao imediatismo que vem marcando a sociedade e, na sequência, postei o poema Eu etiqueta do Drumond para me referir ao consumismo. É nesse mesmo contexto, que se constrói esse “enjoamento” das pessoas com os outros. Piorado com o super individualismo atual. O tal do “cada um por si”.
Nada é feito para durar, nem as mercadorias e nem as relações. Movidas por essas referências, as relações são líquidas (Zygmunt Bauman), e o enjoo surge na mesma velocidade em que começam as conexões. É a era do descartável. Usei, gastou, quebrou, surgiu produto novo, paquera novo, descarto.
Particularmente, acho esse cenário cruel e desumano. As relações são cada vez mais frágeis, superficiais, interesseiras e desprovidas de conexões reais. Estamos conectados virtualmente e desconectados humanamente. Não há envolvimento sentimental; há apenas necessidade de prazer imediato.
A capacidade de interação, comunicação, sociabilidade, demonstração de afeto e atenção ao próximo está reduzidíssima. Assim que as primeiras dificuldades aparecem, a tendência é desistir, desaparecer e bloquear o outro.
Tudo deve ser consumido rapidamente. A comida, os produtos e as relações. Os vínculos não são criados e sustentados para superar as adversidades. E as redes sociais entram nesse cenário como ferramentas que potencializam esse comportamento individualista e, em alguns casos, narcisista.
As pessoas estão intolerantes à convivência. Começam a se relacionar pelos aplicativos, se entregam rapidamente de forma afetiva e, de repente, um dos dois desaparece na rede e deixa o outro no vácuo. Não há término, desculpa, explicação, nada. Um apenas deleta o outro e desaparece. Nem amizade sobra.
Será que nos movemos a partir de uma utopia sobre a perfeição humana. Tipo assim, essa pessoa é imperfeita, mas existe um perfeito e vou continuar procurando. Excesso de idealização? Altas expectativas desconectadas da realidade?
Quando o real invade a relação e o outro se humaniza na nossa frente, com comportamentos contraditórios e imperfeitos, o enjoo sobe à boca e o descartamos. Ou seja, o desumanizamos. Não há paciência para que os relacionamentos aconteçam de forma natural e saudável.
Isso não significa, de forma nenhuma, que eu esteja defendendo o prolongamento de abusos, violências, de relações tóxicas. Esse é outro patamar de reflexão.
Defendo a tese de que quando se tem um conflito relacional com alguém o melhor é o diálogo, a velha e boa conversa sobre como melhorar a situação para ambos. Claro que, se após várias tentativas de ajuste na relação ainda assim o enjoo permanecer, então é possível falar sobre o término. Assim, os vínculos poderão ser cada vez mais fortalecidos.
As relações humanas não vem prontas e muito menos com um manual de instruções. Por isso, é necessário entender que não existem pessoas perfeitas e assim conseguir viver relacionamentos verdadeiros.
Tenho que bater outros papos com meu amigo e até eventualmente dizer um “aff” pra ele ou ouvir um dele pra mim. Mas, o que mais desejo é que nós saibamos construir pontes humanas, sempre.
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