A última fatura da Odebrecht?
- Walber Guimarães Junior
- há 4 dias
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Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e comunicador.
Como tantos que me leem, cresci com a convicção, transmitida por pais e avós, que a justiça no Brasil sempre foi cega para as elites econômica e política, mas enxergava tudo que envolvesse, principalmente, pobres, pretos e prostitutas, com um longo histórico, quase com a idade do país, de proteção aos poderosos e rigor contra pequenos e desprotegidos.

Lembro-me de um seminário na UnB, onde estudei engenharia, que o palestrante desafiou o público a apontar um poderoso que estivesse atrás das grades e, depois do silêncio inicial, seguido de uma ruidosa manifestação quando a pergunta se referiu a perseguições, injustiças ou questões contra as minorias citadas. Era ainda o início da década de 80 e essa era a nossa realidade, já às vésperas da redemocratização.
Ainda em Brasília, testemunhei centenas de denúncias contra poderosos morrerem em prateleiras cobertas de teias de aranha. Mesmo no Congresso, bravos deputados sucumbiram ao regime ao tentar seguir com uma CPI da Corrupção, no longínquo 1980, com dez casos engavetados (Luftalla, escândalo do Congresso Universal Postal, Jari e tantos outros) simplesmente porque o sistema era impenetrável, como um gasoduto sugando dinheiro da população e a transferindo para as elites, processo que persistiu por muitas décadas e nos transformaram no país socialmente mais injusto do mundo.
Qualquer mente, minimamente equipada com meia dúzia de neurônios, conseguia estabelecer relação entre a justiça seletiva e a concentração de renda do país, sem que esta leitura aponte para qualquer espectro ideológico porque, na patifaria, todos são cúmplices.
Com minha caminhada de observador atento e razoavelmente privilegiado, conheci fragmentos da implantação da indústria automobilística brasileira, da construção de Brasília, da Ponte Rio Niterói, da Transamazônica, de Itaipu e tantos outros propinodutos que tiveram a conivência da classe política dominante e a dócil omissão do judiciário, em conluio que manteve a população na miséria para garantir fortunas do primeiro andar.
Como na escravidão, eram a ação conjunta do protecionismo e dos impostos que separava a grande senzala nacional da Casa Grande dos Senhores, sócios dos três poderes da Nação. Nem tente “lacrar” definido o texto como uma leitura radical, porque é apenas o grito contido de indignação que segue retido na garganta de milhões de brasileiros que não admitem mais corrupção sugando nossas riquezas e nossos impostos.
Assistimos os anões do orçamento ganharem centenas de vezes na loteria, poços artesianos nas fazendas dos poderosos, isenções milionárias aos usineiros, mensalões, petrolões e outras formas sofisticadas de roubar o dinheiro público, criativas como a forma mais recente de emendas secretas, tudo sob o olhar cúmplice do Judiciário que jamais colocou um poderoso atrás das grades.
Enfim, veio a Lava Jato que tornou as premissas supramencionadas de conhecimento público e nos fez acreditar em uma Pátria justa. Testemunhar políticos, diretores de estatais, empresários e empreiteiros presos nos fez, por breve hiato de tempo, imaginar que a história pudesse ser reescrita. Ledo engano.
A ambição, o apego ao poder, as negociatas políticas ou algo do gênero destruíram a única chance em quinhentos anos em que a justiça quase prevaleceu, mas com tantas amarrações, tantas obras, financiamento eleitoral, propinas e comissões, unindo gregos e troianos da nossa política era quase impossível que não se deixasse brechas para a anistia geral, sem lei, que ainda se desenvolve e livra todos da cadeia, poupando seus cofres e suas fortunas. De novo, cadeia é apenas para os três Ps...
Um grupo pequeno se alterna no poder, pulando de partidos e de cargos, mas invariavelmente batendo na porta dos mesmos empresários, buscando parcelas dos aditivos e contratos, das emendas na versão mais moderna, em confraria que reúne todos os partidos e empreiteiros do andar de cima. Não se iluda, todos são amigos do amigo do rei de plantão, como, por exemplo, demonstrava a famosa planilha da Odebrecht, quase uma wikipédia da política nacional, com dignos representantes de todos os partidos e matizes ideológicas. Embora usem frases diferentes, linguagem distintas, são quase iguais em método e ação e são financiados pelas mesmas fontes, por isso era muita ilusão achar que seriam largados pelo caminho.
Praticamente todos foram “inocentados”, libertos das grades e desfilam de novo pelos palácios travestidos de excelências, esfregando sua superioridade no orgulho nacional, devolvendo o vermelho, não o petista, mas o da vergonha que de novo se apresenta na face do brasileiro, enquanto incautos continuam se digladiando para definir qual dos líderes é o menos ruim.
Achei que tinha acabado. Passei a raciocinar com a realidade que nos restou, mas, como milhões de brasileiros, fui surpreendido com mais uma fatura da parceria da classe política com os empreiteiros, a conta que veio do Peru.
Como um produto nacional de qualidade, exportamos a metodologia da corrupção. No Peru, a operadora era a mesma, agora com parceiros em língua espanhola. Favores, contratos e aditivos que vão, e dezesseis milhões que vêm, irrigando a ciranda eleitoral, apenas uma fração, se comparada com a sangria brasileira. Mas, talvez porque nenhum juiz de lá virou ministro, as condenações atingiram o andar de cima e, para garantir o silêncio ou talvez o eco das operações que estamos conseguindo sepultar era preciso que os impostos brasileiros pagassem mais uma fatura.
A criminosa peruana Nadine Heredia beneficiada com um inexplicável indulto político chega ao Brasil, em avião da FAB, para reiterar a humilhação ao povo brasileiro que vai pagar mais esta conta da corrupção.
Em algum dia no passado, acreditei que seríamos o país do futuro, algumas décadas à frente, tenho convicção que somos o paraíso da corrupção.
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