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A violência contra as mulheres: uma análise sociopsicocultural – parte 3

Ao finalizar o outro artigo terminei falando que o ambiente familiar disfuncional, ao normalizar esses comportamentos, perpetua um ciclo de violência e subjugação.

 


Para entender por que a violência contra as mulheres ocorre, é útil considerar a perspectiva de Winnicott, que argumentaria que a violência e a subjugação resultam de uma falha no ambiente facilitador. Nesse contexto, as necessidades emocionais básicas de segurança, reconhecimento e aceitação não são atendidas. A criança que cresce em um ambiente onde a violência é uma resposta comum a conflitos ou frustrações aprende a usar a violência como uma estratégia de vida. Além disso, a internalização de papéis de gênero rígidos e disfuncionais pode levar tanto homens quanto mulheres a perpetuar padrões de comportamento abusivo e subjugador.

 

Homens muitas vezes internalizam a necessidade de dominar para afirmar sua masculinidade, enquanto mulheres podem aceitar a subjugação como uma norma inevitável, buscando formas de se significarem através de relacionamentos abusivos. A falha em proporcionar um ambiente facilitador que valorize e respeite ambos os sexos igualmente contribuem para a perpetuação desses ciclos de violência e subjugação.

 

Winnicott, Freud e Laplanche oferecem diferentes perspectivas sobre a violência, especialmente em relação aos conceitos de excesso e a natureza polimórfica da violência (natureza polimórfica significa que a pessoa experimenta prazer e desejos de formas variadas, geralmente associada à prazeres infantis, não desenvolvidos para a vida adulta – por exemplo: prazer em sentir ou provocar dor e violência).

 

Winnicott descreve a violência como uma resposta ao fracasso do ambiente facilitador em fornecer segurança e nutrição emocional. Para ele, o excesso através da violência é uma tentativa de compensar uma identidade fragmentada e uma incapacidade de encontrar um lugar na sociedade. O excesso de raiva, por exemplo, pode ser uma manifestação dessa identidade fragmentada, onde o homem, sentindo-se impotente e inadequado, precisa afirmar seu poder sobre a mulher, tornando-a um objeto e reivindicando o direito de controlar sua vida e morte.

 

Freud aborda a violência através da lente dos impulsos instintivos, onde o excesso através da violência pode ser visto como uma expressão de pulsões destrutivas (pulsões destrutivas são impulsos inconscientes que levam uma pessoa a causar dano a si mesma ou aos outros. Na psicanálise, essas pulsões são vistas como parte da natureza humana, direcionadas por forças internas que buscam a destruição e a agressão) que não foram adequadamente sublimadas (transformação de impulsos ou desejos instintivos, especialmente aqueles de natureza sexual ou agressiva, em ações ou comportamentos socialmente aceitáveis e construtivos. Na psicanálise, esse processo permite que a energia desses impulsos seja redirecionada para atividades como arte, trabalho ou esporte). A relação assimétrica, onde o agressor não consegue reconhecer a humanidade da mulher, é uma tentativa de afirmar sua própria identidade em face de uma profunda insegurança e medo da castração simbólica (refere-se ao medo ou percepção de perda de poder, autoridade ou identidade, frequentemente associada à ausência ou limitação de certas capacidades ou atributos desejados).

 

Para Laplanche (2019), o conceito de "excesso" é central à sua compreensão destes fenômenos, especialmente em relação aos desejos e pulsões humanas. Ele vê o excesso como a manifestação de desejos que ultrapassam a capacidade do indivíduo de integrá-los de maneira saudável. Este excesso está frequentemente ligado à polimorfia dos impulsos (frequentemente observado na sexualidade infantil, onde os impulsos são variados e não organizados conforme as normas adultas. Homens violentos são desintegrados da vida adulta e agem como infantis, sem condições de viver de forma adulta e contida), que são diversos e muitas vezes conflitantes. Quando esses desejos não são devidamente contidos ou sublimados, eles podem se expressar de maneiras disfuncionais, incluindo comportamentos violentos. Na visão de Laplanche, o excesso é uma resposta à incapacidade de lidar com a complexidade e a intensidade dos próprios desejos, resultando em ações que tentam controlar ou eliminar o que é percebido como ameaçador ou incontrolável.

 

O homem, quando não consegue encontrar seu lugar na sociedade, tem uma formação reativa ao sexo oposto, pois a mulher exige dele coisas que ele não pode oferecer. Por exemplo, uma mulher que se divorcia do marido e não deseja mais o relacionamento exige que ele viva sozinho consigo mesmo. A falta de identidade e equilíbrio faz com que o homem não consiga lidar com sua raiva, impondo à mulher uma negação da existência e da vida, estendendo a morte simbólica que ele próprio já experimenta, quando ele morre para todos os limites e princípios, estendendo isso de forma prática chegando a tirar a vida da mulher, pelo simples fato dela desejar ter uma vida fora da convivência com ele.

 

Muitas mulheres têm a capacidade de serem criativas quando não têm o homem ao seu lado. Quando são abandonadas, reconstroem suas vidas com os filhos, promovem novas fontes de renda e sustento. Por outro lado, o homem, demonstra um empobrecimento muito grande, incapaz de respeitar o outro e a si mesmo na preservação da vida, infringindo os direitos humanos ao tirar da mulher o direito de ser humana e de fazer escolhas.

 

Há uma naturalização da violência, pois, entende-se que a forma estrutural da violência é maquiada por uma fachada de inevitabilidade histórica e de uma concepção de modelo masculino como que biologicamente criado para a violência: “violência é coisa de homem”. A estrutura de dominação é construída a partir destas visões de mundo, internalizada e naturalizada, onde o homem, naturalmente é violento. Bourdieu afirma que as relações de dominação são construídas socialmente, onde a estrutura é que a violência é um hábito masculino, como se o homem tivesse direito a usar a violência porque é homem.

 

Essa é uma das facetas do machismo: um sistema de domínio e violência. O machismo é um adoecimento da mente, uma extensão do masculino que não pode ser plenamente realizado, resultando em fragmentação e violência. O excesso através da violência é uma necessidade para aqueles que têm um vazio interior. Homens, utilizando-se da estrutura social machista, impõem às suas mulheres e as submetem a esse tipo de relacionamento, um relacionamento baseado na dominação, na objetificação e na violência como resposta às diferenças de pensamento e de desejo e enxergam isso como a única forma possível de existir.

 

De que maneira você, homem ou mulher que me lê, compreende o machismo e sua pior face – a violência, seja ela psicológica, física, econômica ou simbólica? Como você vê as pressões familiares e sociais para as escolhas conjugais e relacionais que levam mulheres a permanecerem em relacionamento abusivos? Que estratégias você mesmo pode implementar no seu meio (amigos, família, grupos de afinidade, comunidades eclesiásticas etc.) para apoiar mulheres a se libertarem destas condições?

 

Há muito o que fazer!

 

Psicóloga Auriciene Lidório

Registro: CRP 08/20137 - CNES: 4598431

Whatsapp: (43) 98823 2903

 

Referências para consulta

 

Bourdieu P. (1999). A dominação masculina. Bertrand Brasil.

Costa, G. P., & Katz, G. (1992). Dinâmica das relações conjugais. Porto Alegre: Artes Médicas.

Ferreira, E. D. S., & Danziato, L. J. B. (2019). A violência psicológica na mulher sob a luz da psicanálise: um estudo de caso. Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro), 41(40), 149-168.

Laplanche, J., & Pontalis, J. B. (2019). O vocabulário da psicanálise. Martins Fontes.

Machado, O. (2019). A violência contra as mulheres como crime de ódio.

Nobre, M. T. (2006). Resistências femininas e estratégias de enfrentamento da violência. In A. C. S. Paiva & A. F. C. Vale. Estilísticas da sexualidade (pp. 115-136). Campinas: Pontes Editores

Rosa, M. D., & Domingues, E. (2010). O método na pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais e políticos: a utilização da entrevista e da observação. Psicologia & Sociedade, 22, 180-188.

Winnicott, D. W. (1998b). O ambiente e os processos de maturação.

Winnicott, D. W. (2000). Da pediatria à psicanálise.

 

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