Por decisão monocrática, o ministro Flavio Dino mandou, na última sexta-feira, serem excluídos de livros trechos que continham potenciais ofensas contra minorias LGBT. O que Dino não sabe é que livros não ofendem porque não existe debate ofensivo, ofensivo é não haver debate. Se os trechos contém burrice intelectual, muito mais burra é a sociedade que os manda excluir.
E como antídoto a esse tipo de censura, tenho dois argumentos: um filosófico, outro jurídico.
O argumento filosófico: acreditar que a inexistência de livros resultará na inexistência de ideias indigestas é um pensamento mágico e infantil. Acreditar que estas ideias colocam em risco os valores reais de uma nação é digno de uma sociedade fraca, frouxa e medrosa. Ou de uma nação sem valores reais. E temos vivido essa democracia covarde no Brasil, desde que o STF se tornou síndico do debate público, com os inquéritos das fake news.
Pelo medo da democracia ser ameaçada, não permitimos seu questionamento; pelo medo da liberdade de expressão ser abusada, não permitimos seu uso; pelo medo de batermos o carro, não o retiramos da garagem. E vivemos como se não tivéssemos o carro, a liberdade e a democracia. Não faz sentido acreditar em valores que não podem ser tirados do plástico, do embrulho, serem postos à prova.
O argumento jurídico: a liberdade de expressão no Brasil não é absoluta, mas é um direito fundamental e, por isso, não pode ser excluído. É uma questão de lógica: se puder ser excluído, não será fundamental. A livre expressão precisa, portanto, ser conciliada com demais direitos. A decisão de Dino seria mais correta, por exemplo, se arbitrasse indenização a quem eventualmente foi ofendido pela obra, mas não mandasse retirar seus trechos, inibindo ou inviabilizando sua circulação.
Além disso, Dino já havia se manifestado em ocasião anterior, dizendo entender que chamar a alguém de nazista ou fascista faz parte do debate público. Por qual razão, então, para ele, determinados grupos poderiam ser ofendidos e outros não? Um grupo minoritário não se ofende mais ou menos que outros, não há mais ou menos justiça em ofender esta ou aquela pessoa, desta ou daquela forma. Crer nisso inviabiliza uma análise objetiva dos fatos, deixando pesar na balança da justiça a subjetividade do juiz, e não a lei.
Por qualquer ângulo, o que Dino fez foi um desastre para a liberdade de expressão. E só não está reverberando como um verdadeiro escândalo porque nós temos no Brasil advogados, jornalistas e intelectuais capachos e interesseiros suficientemente para aplaudir qualquer absurdo que brote de alguma autoridade dotada de poder.