Por: Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Recentemente assisti A Substância, filme da diretora Coralie Fargeat, estrelado por Demi Moore, Margaret Qualley e Dennis Quaid, que estreou em setembro nos cinemas brasileiros. A intenção do texto hoje não é fazer uma sinopse do filme ou a sua avaliação crítica, pois os leitores podem encontrar facilmente na internet, com mais qualidade do que eu poderia fazê-lo aqui. O que quero destacar é, na minha opinião, a mensagem que o filme deixa: a busca da beleza eterna e a sua impossibilidade de conseguir são uma das marcas da nossa época. Vivemos, como já escrevi em outro texto, um tempo da beleza, da busca frenética pela beleza do corpo, mas o que talvez deixemos de perceber, é que a nossa época é, na verdade, a do defeito; buscamos os menores defeitos para retirá-los e, portanto, prestamos mais atenção neles, nos defeitos, no que na beleza.
No filme, a personagem Elisabeth Sparkle, uma celebridade em declínio, vivida pela atriz Demi Moore, está em crise. Sua beleza não resistiu ao passar dos anos e chegando na casa dos 50 foi demitida de um emprego em que o corpo era o principal atributo. A atriz Demi Moore parece encarnar uma personagem que tem a ver com ela, pois foi protagonista de sucessos de bilheteria como Ghost (1990), Proposta Indecente (1993), Assédio Sexual (1994); Striptease, (1996) e As Panteras (2003), filmes com certo apelo sensual, e que nos últimos tempos fez vários filmes que, até onde sei, nenhum com o sucesso dos outros.
Em A Substância, depois de ser demitida, a personagem de Demi Moore recebe uma substância que promete beleza eterna. Ela usa a droga e, a partir daí, o filme entra de cabeça no gênero body horror, que usa cenas explícitas e grotescas para causar angústia e afligir os expectadores. Do seu corpo sai uma nova Elisabeth Sparkle, mais nova, mais sensual, mais bela, vivida pela jovem atriz Margaret Qualley. Elas têm que se revezar, a cada sete dias uma delas vive de fato, enquanto a outra fica numa espécie de hibernação em que seu corpo é revitalizado. A Elisabeth mais nova é contratada pelo mesmo empresário que demitiu a mais velha, e ela se torna uma estrela em ascensão, num tipo de programa que me lembrou muito a época das chacretes do programa do Chacrinha e a banheira do Gugu, em que as câmeras procuravam os closes mais sensuais das mulheres. Enfim, a jovem Sparkle, que passou a usar o nome Sue, tomou o lugar da “velha” Sparkle. Mas é bom esclarecer que, apesar de dois corpos diferentes, um mais velho e o outro mais novo, elas eram a mesma pessoa. A ideia, portanto, da substância, da droga usada, era que a beleza perdida com a idade, se prolongaria com o corpo mais jovem. Até aí tudo bem. A droga cumpria muito bem sua finalidade. A beleza eterna estava garantida: uma pessoa em dois corpos, que jamais poderiam conviver. O problema é que a vaidade, o egoísmo, o deslumbramento falaram mais alto e, a partir daí, o filme apresenta cenas de fato angustiantes à medida em que a Sparkle mais nova tenta prolongar a sua vida, rompendo o acordo dos sete dias. Desse momento para o final, o filme aprofunda o horror corporal, em meio a uma tensão cada vez maior, que resulta em um final que divide opiniões, e que eu me abstenho de informar aqui para que o leitor que ainda não assistiu o filme possa igualmente se surpreender.
Pois bem, o que se poderia refletir a partir da história é, me parece, um tanto óbvio, mas que não impede de tentar realçar alguns pontos. O filme, dirigido por uma mulher que procura trazer um olhar feminista para a história, é uma grande metáfora e, como tal, diz respeito ao que, de fato, quer discutir. Está claro que a história quer mostrar o quanto a busca pela eterna beleza pode escravizar a pessoa, especialmente a mulher. O corpo perfeito, incluindo aí a beleza do rosto, é tido na sociedade como uma espécie de garantia do sucesso, quase como condição de existência mesma em uma sociedade altamente competitiva. A beleza é vista como pré-condição para ser aceito entre as outras pessoas, pois com ela, a beleza, há a suposta garantia que os olhares, a atenção, a sedução, e porque não dizer, a inveja dos outros elevarão a pessoa bela a um patamar de pura admiração. A beleza é vista, portanto, por muitas pessoas, mulheres e homens, como a condição da própria vida.
A busca pela eterna beleza, ou pelo menos, pela sua extensão pelo maior tempo possível, é uma marca da nossa época. Academias de musculação, procedimentos estéticos, remédios para reduzir peso e gordura corporal, drogas para aumentar a musculatura e conseguir um corpo mais definido estão em alta, sua procura movimenta bilhões de reais na economia brasileira. O caso do medicamento Ozempic parece ser exemplar nos dias de hoje, pois concebido como uma droga para ajudar os diabéticos está sendo usado largamente para perder peso; a procura é tão grande que o laboratório não conseguiu atender a demanda e já tem falsificações no mercado.
Mas, a questão fundamental é sempre a mesma: o exterior reflete, de fato, o interior? A busca desenfreada pela beleza não causa um body horror constante num nível interno? Volto à questão inicial: a busca pela beleza não realça muito mais a busca pelo defeito e, por consequência, a valorização (pelo inverso) do defeito e não da beleza? Ao mesmo tempo em que há vários caminhos para o prolongamento da beleza, as doenças mentais mais comuns, como depressão e ansiedade, atingem cada vez mais pessoas ao redor do mundo. A busca pela beleza eterna, parece-me, está acarretando uma sociedade que, no geral, está se tornando mais infeliz, mais angustiada, assim como no filme, em que as duas Elisabete Sparkle se tornam infelizes e geram (me perdoem leitores, mas este spoiler é necessário) um único ser cujo horror externo parece refletir a disformidade interna.
Para finalizar, quero enaltecer a coragem da atriz Demi Moore, da qual sempre fui fã. Até onde pesquisei, foi ela quem fez as cenas em que ela mostra seu corpo que, apesar de continuar belo, tem as marcas do tempo, os efeitos da “lei da gravidade”. Ela tem hoje 62 anos e pode perfeitamente representar uma personagem com 50 anos, mas apresenta um corpo real, com as imperfeições naturais e esperadas. Ela mostrou sabedoria que vem com a vida, com as experiências boas e ruins que tivemos. Viver com beleza é bom, mas viver com dignidade é bem melhor!!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
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