Apesar de todas as opiniões a respeito dos efeitos deletérios da polarização, há quem a considere positiva – ou que, pelo menos, tenha aspectos benéficos. Nelson Ferreira Marques Júnior, doutor em história política do Brasil, defendeu essa posição em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo.
Segundo ele, a divisão da sociedade em dois polos distintos faz parte do desenvolvimento da democracia e não pode ser considerada um mal em si. A disputa política seria a única forma de construir conhecimento e encontrar soluções para problemas comuns. A polarização passa a ser negativa quando é “contaminada pelo ódio e pelos discursos generalistas nutridos apenas pelo senso comum”. Ou seja, enquanto ela está dentro dos “parâmetros democráticos”, não deve ser condenada.
Analisando a realidade dos Estados Unidos, o jornalista Ezra Klein, autor de “Why we are polarized”, aponta que a polarização e o crescente distanciamento entre democratas e republicanos teve uma consequência positiva: a adoção, por parte dos democratas, das chamadas pautas identitárias, especialmente a luta contra o racismo.
Para Ezra Klein, a polarização deu força a movimentos como o Black Lives Matter, que protesta contra o racismo e a violência policial contra negros norte-americanos, e impulsionou políticos democratas a colocarem essa questão como prioridade.
Além disso, “a alternativa à polarização geralmente é a supressão”, de acordo com o jornalista. Isso vai ao encontro do que afirmou Nelson Ferreira Marques Júnior: “gerar consensos sem as polarizações é aceitar sempre o status quo”.
É possível diminuir a polarização?
A situação é complicada, especialmente, em períodos de eleição, mas existem práticas que podem ser adotadas para diminuir a polarização e estabelecer um diálogo saudável.
Nós somos falhos
Como sabemos, o cérebro humano pode nos enganar com facilidade. Isso significa que todos estão sujeitos a estarem equivocados em algum momento.
Conhecer as falhas em nossos raciocínios e visões de mundo nos torna mais abertos a argumentos discordantes, que podem inclusive nos fazer rever certos pontos e evoluir intelectualmente.
Como estou pensando?
Tão importante quanto estar atento às falhas em nossas visões e argumentos é entender como eles são construídos. Chegamos às conclusões por meio da análise de fatos e evidências? Demos pesos iguais (ou pelo menos parecidos) às opiniões divergentes sobre o assunto?
Vale lembrar de uma regra simples. Primeiro, deve-se analisar as informações, fatos e evidências, para depois formar uma opinião. É pensar como um cientista, que formula hipóteses a partir da análise do conhecimento disponível e coloca essas hipóteses à prova.
Também é importante ter em mente uma frase do jornalista e escritor Christopher Hitchens: “não importa o que você pensa, mas como você pensa”.
Autoconhecimento também é conhecimento
Ler a respeito de como funciona nosso cérebro e como ele está propenso à polarização é uma forma de nos mantermos alertas às armadilhas que pregamos a nós mesmos.
Por isso, são importantes iniciativas como a série a respeito desse tema feita pelo site Wait But Why (que está disponível apenas em inglês) e o Despolarize, projeto que busca diminuir a polarização nas redes sociais.
As pessoas podem mudar de opinião
Ao longo deste artigo, pode ter ficado a impressão de que o convencimento por meio de fatos e argumentos sólidos é quase impossível, mas esta não é toda a verdade.
O raciocínio motivado e a lealdade a grupos têm grande influência na forma como criamos nossas opiniões, mas também é verdade que temos o desejo de manter visões corretas a respeito do mundo. Nesse sentido, evidências e consensos científicos têm sua importância e influência.
Estudos mostram que uma forma eficiente de convencer quem tem opiniões discordantes não é o confronto, mas o uso dos valores da própria pessoa. Por exemplo, um conservador tem maiores chances de aceitar uma proposta progressista, desde que ela venha “embalada” em um discurso que usa os valores conservadores – e vice-versa.
Os valores importam
O item anterior mostra como é importante se colocar no lugar daquele com quem debatemos. Além de aumentar nossas chances de convencimento, essa atitude também nos abre para enxergarmos pontos positivos em visões diferentes.
Sem maniqueísmo
É essencial lembrar que, na grande maioria dos casos, as desavenças acontecem entre pessoas que têm boas intenções e buscam uma sociedade melhor. Ninguém deve ser considerado inimigo só por pensar diferentemente de nós. Afinal, o mundo é complexo e não se divide de forma maniqueísta, uma briga entre bem e mal.
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