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A MENINA QUE PERDEU A VOZ

(miniconto livremente inspirado em Nelson Rodrigues e na novela Saramandaia)

 

Célio Juvenal Costa, professor da UEM


Ela sempre fora uma menina tímida. Daquelas que, como dizem, entrava muda e saía calada dos lugares. Em casa passava mais tempo brincando com suas bonecas, com seus jogos, com seu computador e assistindo desenhos animados na televisão, do que conversando com seus pais. Quando recebia visita de seus tios ou de seus avós, ou ainda, dos amigos dos seus pais, ela conversava pouco, respondia às perguntas e logo voltava para sua rotina introspectiva. Seus pais chegaram a se preocupar que ela fosse autista, mas os profissionais concluíram que ela, na verdade, era somente tímida mesmo.  

 

 

Na escola não era diferente. Tinha poucos amigos, apenas duas colegas que faziam trabalhos em equipe e brincavam no recreio. Em sala de aula raramente fazia pergunta ou algum comentário sobre as matérias. Fazia leitura quando lhe era solicitado pela professora, e lia muito bem, sem gaguejar e quase sem errar. Apesar (ou por causa) de sua timidez, ela era uma aluna acima da média, sempre tirando boas notas e nunca reprovando de ano. Tirando a sua quietude, com a qual sua família, seus colegas e suas professoras se acostumaram, ela era uma menina perfeitamente normal.

 

Ela cresceu assim e os anos passaram-se assim... Quando tinha mais ou menos dezesseis anos ela entrou no mundo das redes sociais, aliás, ela se tornou uma fera em computador, entrando em vários sites e acessando vários tipos de programas. No Instagram nem parecia a mesma pessoa tímida e quieta que era, acabou se tornando uma verdadeira instamaníaca. Tinha mais de dez mil seguidores, com os quais, a maioria deles pelo menos, tinha uma vida virtual super agitada. Vivia postando coisas interessantes, como fotos, reportagens, mensagens. Sempre comentava as postagens e stories dos seus amigos, compartilhando muitas delas. Enfim, no insta era uma pessoa supersociável, daquelas que acabaram por se tornar referência para muitos amigos. Certa vez resolveu criar um blog, que se tornou sucesso entre seus seguidores. Postava pensamentos, tentativas de poesia, análises de acontecimentos locais e nacionais. Quem não a conhecia pessoalmente, o que era o caso da imensa maioria dos que a seguiam, julgava que aquela menina era extremamente agitada, falante, cheia de amigos, popular, enfim, muito sociável.

 

Certa vez, quando já havia entrado na faculdade, ela passou três semanas em casa sozinha, período de férias escolares em que, coincidentemente, seus pais tiveram que viajar por algum problema de saúde de uma de suas avós. Ficou em casa todos os dias. Ficou o tempo todo no computador e, na maior parte do tempo, nas redes. Passou horas a fio conectada. No dia anterior da sua volta às aulas, que era o dia da chegada de seus pais, a menina acordou e não conseguia mais falar. Quando seus pais chegaram ela não conseguiu pronunciar nenhuma palavra; elas, as palavras, simplesmente não saíram de sua boca. Assustada ela e assustados os pais, foram ao médico e, para surpresa de todos, não havia explicação clínica para o fato. Nos dias seguintes fez vários exames e, para, agora, desespero de todos, nenhum indicou qualquer problema nas cordas vocais da menina. O tempo passou e ela continuou sem poder falar e, apesar das sessões de fonoaudiologia, de terapia e de outras tentativas, todos em casa passaram a conviver com aquele mistério.

 

Mas, o mais intrigante neste caso é que, a menina, depois do período de susto e desespero, passou a se sentir bem com o fato de não poder falar. Passou a se sentir mais livre, pois agora não precisava mais se esforçar, como fazia na grande maioria das vezes, para conversar com as pessoas. Tanto não se deixou afetar pela sua incapacidade de falar que, dentre outras coisas, continuou a ser uma celebridade na internet... 

 

 

Meu Instagram: @costajuvenalcelio

 

Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.

 

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